Mercados de créditos de carbono

Mercados de créditos de carbono

Carlos R. Sanquetta
Professor e pesquisador, especialista em créditos de carbono
sanquetta@ufpr.br

A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera da Terra é historicamente registrada pela ciência em 280 partes por milhão. A emissão adicional desse gás de efeito estufa (GEE ou GEEs) por fontes antropogênicas desde a Revolução Industrial elevou significativamente essa concentração, sobretudo nas últimas décadas.

Segundo a NASA, a concentração de CO2 atualmente gravita em cerca de 421 partes por milhão, um aumento de mais de 50% da referência histórica. Além do CO2, outros GEE importantes, como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O) também tiveram suas concentrações aumentadas drasticamente pela ação humana em algumas décadas.

Como consequência disso, temos vivenciado alterações climáticas notáveis, como anunciado no mais recente relatório científico, o AR6 (Sixth Assessment Report) emitido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC.

Eventos climáticos extremos; acidificação e elevação do nível dos oceanos, derretimento das montanhas geladas, geleiras e das calotas do Ártico e da Antártida; aparecimento e recrudescimento de doenças, epidemias e pandemias; insegurança hídrica, alimentar e energética; savanização das regiões atualmente cobertas com florestas tropicais e perdas de biodiversidade estão entre os impactos já fartamente anunciados pelos cientistas do mundo todo.

Mesmo ante o ceticismo e até o negacionismo climático, que também exerce a sua influência como forçante, a sociedade organizada clama por justiça climática, advogando o Princípio da Precaução.

O que o Brasil tem feito?

Não restam dúvidas que as mudanças climáticas se tornaram uma das maiores ameaças ao futuro do nosso planeta em vários âmbitos e setores e, por isso, toda a sociedade requer que ações urgentes para o incentivo da redução da concentração de GEE na atmosfera sejam tomadas por governos e pela iniciativa privada.

Recentemente, o Ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, anunciou que o marco legal do mercado regulado de carbono brasileiro é prioridade na pauta da transição ecológica e pretende aprovar o texto ainda neste semestre.

Essa é uma resposta do Brasil, como signatário do Acordo de Paris, no tocante aos compromissos assumidos na sua Contribuição Nacionalmente Determinada – CND (NDC em inglês), submetida à Convenção-Quadro das Nações sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC em inglês) em outubro de 2015.

O Brasil, como um emissor importante de GEE em nível mundial na atualidade, se comprometeu a reduzir as suas emissões de GEE em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tomando como referência o ano de 2005. Isso representa um esforço hercúleo que precisa ser levado a cabo por todos os brasileiros, e com celeridade, pois o tempo é curto e já nos aproximamos do ponto de chegada para um mundo neutro em carbono antropogênico até 2050.

As tratativas e acordos internacionais, entabulados desde a UNFCCC, ratificada em 1994, e o Protocolo de Quioto, ratificado em 2004, e por último no Acordo de Paris, ratificado em 2015, criaram instrumentos legais e regulatórios indispensáveis para promover a transição de uma sociedade dependente dos combustíveis fósseis e do uso abusivo dos recursos naturais, em geral, e da biodiversidade, em particular, para um novo paradigma.

Pelo mundo afora

No Protocolo de Quioto 39 países industrializados se comprometeram a reduzir as suas emissões de GEE em 5,2% até o final dos seus dois períodos de compromisso, entre 2008 e 2012 e posteriormente entre 2013 e 2020, respectivamente. O Brasil ficou de fora da obrigação de cumprir essas metas. Mas agora a situação não é a mesma.

Esses acordos também criaram mecanismos inovadores de mercado para incentivar financeiramente os empreendedores que promovessem a redução de emissões de GEE ou a remoção do CO2 já emitido para a atmosfera.

No Protocolo de Quioto havia três mecanismos de mercado de carbono: O Comércio de Emissões, a Implementação Conjunta e a Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o MDL. Os dois primeiros mecanismos foram criados apenas para os 39 países desenvolvidos (chamados de Anexo I), que tinham metas a cumprir, mas eles suplementarmente poderiam adquirir créditos de carbono dos demais países (Não Anexo I), como o Brasil.

Isso oportunizou o desenvolvimento, o registro e a execução de mais de 8 mil projetos de redução e remoção de GEE em todo o mundo. O Brasil foi o terceiro maior gerador de créditos nesse “mercado regulado de carbono”, ficando atrás apenas de China e Índia.

Muitos projetos saíram do papel e trouxeram contribuição à mitigação climática e ao desenvolvimento sustentável do País, além de carrear recursos financeiros importantes do exterior com a venda dos créditos de carbono, chamados no MDL de RCE (reduções certificadas de emissões, ou CER em inglês).

O mercado regulado de carbono chegou a movimentar cerca de 200 bilhões de dólares por ano no auge do período de vigência do Protocolo de Quioto.

Mercado voluntário de carbono

Passada a experiência do MDL, os empreendedores brasileiros assimilaram que o nosso país em um sem-número de setores e atividades pode gerar créditos de carbono em profusão e, com isso, fazer esse mercado crescer, repleto de oportunidades ambientais, econômicas, profissionais e tecnológicas. Ora, eis que eclode o chamado “mercado voluntário de carbono”, tendo em vista o hiato criado entre a passagem não muito suave do Protocolo de Quioto ao Acordo de Paris.

Nesse mercado voluntário não existem metas nem entes governamentais e organizações internacionais, como a ONU, regulando o mercado. Ele é privado e reputacional, ou seja, as organizações desenvolvem projetos e geram créditos de carbono livremente, em qualquer país, e podem vender a outras organizações que desejam compensar as emissões residuais que não conseguiram reduzir com suas atividades rotineiras.

Objetivo não é cumprir regulamentos e sim posicionar-se adequadamente aos seus stakeholders. Esse mercado é o que opera com maior vulto hoje e conta com participantes de todo o mundo, inclusive o Brasil, que é um dos seus protagonistas.

O mercado voluntário cresceu, ganhou musculatura e se consolidou nos últimos anos. Precisou estebelecer padrões mais robustos, metodologias com maior profundidade científica e se apoiar nos ensinamentos do MDL.

Para isso, foram criados standards de alta integridade e reputação, com padrões de excelência e ampla aceitação num mercado cada vez mais exigente. Os projetos registrados no mercado voluntário de carbono na atualidade passam por exigentes crivos de integridade e governança.

Todos precisam aplicar metodologias previamente aprovadas e avaliadas por pares, além de serem validados e verificados/certificados por auditoria independente de terceira parte. Regulamentos e controles bastante sérios impedem a dupla contagem de créditos de carbono e a sua emissão sem lastro em redução ou remoção comprovada por monitoramento contínuo durante todo o andamento do projeto.

De olho

Os projetos a serem registrados nesses standards precisam ser monitorados por um longo período temporal (até 30 anos, por exemplo), para garantir benefícios reais, mensuráveis e com efeitos de longo prazo na mitigação climática.

Ademais, esses projetos devem gerar co-benefícios socioambientais para além da redução das emissões de GEE e/ou remoção de CO2 da atmosfera. Uma cadeia de boa fé e confiabilidade é a tônica desses padrões reconhecidos que vigoram no mercado voluntário de carbono. Os padrões mais destacados desse mercado de créditos de carbono são o VCS/Verra e o Goldstandard, de origem norte-americana e europeia, respectivamente, mas que gozam de reputação e inserção mundial.

Apesar de algumas críticas recentes a esses agentes do mercado, majoritariamente infundadas e publicadas superficialmente por órgãos da mídia, esses padrões sobrevivem e detêm o mais amplo respeito de quem atua com créditos de carbono nos diferentes continentes.

É preciso saber separar o joio do trigo, e tenho convicção que o mercado voluntário de carbono se centra na geração séria de créditos de carbono, de alta integridade, e efetivamente gera bons frutos à sociedade que clama por justiça climática.

O Brasil novamente ocupa posição de destaque no mercado voluntário de carbono, estando entre os seus maiores players. Esse mercado movimenta atualmente cerca 2 bilhões de dólares anuais, e com perspectivas de forte expansão até 2030.

Novidade

A grande novidade do momento na atualidade é a regulamentação do mercado brasileiro de carbono, cujos projetos de lei PL 412 e 528 tramitam já a tempo no Congresso Nacional. Temos agora em tramitação o PL 2229/2023 que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE, com base na Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009); institui a Política de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, da Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, do Manejo Sustentável de Florestas e do Aumento de Estoques de Carbono Florestal (REDD+).

Agora o momento urge que o mercado regulado nacional saia do papel e muitos projetos sejam colocados em prática e possam oportunizar a abertura de imensas oportunidades às organizações, aos setores produtivos e aos profissionais que atuam no Brasil. Uma nova era se inaugura com esse novo mercado brasileiro regulado de carbono.

Oportunidades

As oportunidades permeiam as indústrias, as cidades e o campo. É chegada a hora de colhermos o que plantamos e mostrarmos que a nossa agropecuária, a nossa silvicultura e demais atividades afins ao ambiente agrário contribuem positivamente para a mitigação climática.

Pratiquemos, pois, as chamadas “soluções baseadas na natureza”, como a agricultura regenerativa, o manejo conservacionista do solo, os sistemas produtivos integrados, mais biodiversos e resilientes, além do uso racional da água e dos insumos na produção.

O advento do mercado de carbono contribuiu sobremaneira para a criação de metodologias inovadoras de contabilidade de carbono no campo, com uso de alta tecnologia e eficiência comprovada na redução de emissões de GEE e remoção de CO2 atmosférico. Na agropecuária isso é particularmente notável.

O Padrão VCS/Verra inovou e abriu novos escopos e tipologias de projetos elegíveis nesse mercado, seja na agricultura, na pecuária ou nas atividades florestais.

Outra porta entreaberta nesse mercado consiste simplesmente do maior mercado de créditos de carbono que o mundo poderá nos brindar muito em breve, a saber: o mercado regulado internacional, que estará de volta em pouco tempo.

O Acordo de Paris passa pelo processo de regulamentação do seu artigo sexto, que trata dos mecanismos de mercado de carbono no arcabouço do aclamado acordo global que conta com quase duas centenas de países que o ratificaram.

No artigo 6.2 está previsto o mecanismo chamado de ITMOs (The Internationally Transferred Mitigation Outcomes), que é um tanto similar ao Comércio de Emissões derivado do Protocolo de Quioto que é há décadas adotado na União Europeia.

Já em seu artigo 6.4 involucra-se outro mecanismo de mercado regulado de carbono intitulado “6.4 ERs” ou o MDS (Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável), como gostamos de chamá-lo aqui no Brasil. O MDS se espelha no MDL e resgata o seu fulcro de originador maior do mercado de carbono para nós brasileiros. Eis essa gigante oportunidade que surge à nossa frente novamente. Tomemo-la nas nossas mãos.

Metas

O mercado de créditos de carbono veio para ficar e temos muitas frentes de atuação, seja nas energias renováveis, na descarbonização das indústrias e dos transportes, no tratamento racional dos resíduos e efluentes ou nas atividades agropecuárias e florestais. O mundo todo está alinhado com a busca da neutralidade de carbono em 2050.

Mas, essa é realmente uma meta atingível? Podemos apostar e afirmar categoricamente que somente com as reduções de emissões, como aclamadas nas NDCs de todos aos países que se comprometeram no Acordo de Paris, não será possível tal feito.

Será preciso muito mais ambição climática, recursos e inovação para evitarmos a catástrofe de superarmos a marca de um aumento de temperatura superior a 1,5ºC no Planeta até o final do século.

Creio piamente que as reduções nas fontes se constituem na mais pura forma de promover a mitigação climática, mas por outro lado ouso afirmar que não haverá como atingir o objetivo preconizado do Acordo de Paris se não houver a estruturação de um mercado robusto de carbono, tanto na esfera mundial como nacional na alçada das distintas nações que se comprometeram em contribuir com a causa climática.

Primeiros passos

O Brasil está dando o seu passo firme rumo à criação do seu mercado de carbono. Muitos outros países estão fazendo o mesmo. Resta agora que as Conferências da ONU (as COPs) nos tragam a grata e esperada notícia que, enfim, o artigo sexto está regulamentado. Se isso de fato acontecer – e esperamos que seja muito em breve – teremos muito trabalho pela frente e a expectativa de vivenciarmos o “século do carbono”. Quem viver, verá.

Não restam dúvidas que o Brasil é o país com o maior potencial em termos de geração de créditos de carbono no mundo, sendo a mola propulsora para o atingimento daquilo que é preconizado no Acordo de Paris.

Busquemos, pois, continuarmos a desenvolver projetos de créditos de carbono de excelência, e mais, busquemos abranger mais setores da economia nessa empreitada, envolvendo os pequenos e médios negócios e propriedades com o fito de engajar de forma, ampla geral e irrestrita toda a sociedade brasileira nessa causa.

Esse engajamento mais abrangente é fundamental para galgarmos o pleno êxito e construímos uma sociedade de baixo carbono e praticarmos a justiça climática. Precisaremos de massa crítica para construir esses alicerces.

Fonte: https://revistacampoenegocios.com.br