Cultivo em hidroponia da alface frisée

Cultivo em hidroponia da alface frisée

Rafael Campagnol
Doutor em Fitotecnia – ESALQ/USP e professor Adjunto – Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
rafcampagnol@hotmail.com
Ricardo Toshiharu Matsuzaki
Mestre em Fitotecnia – ESALQ/USP

O cultivo hidropônico, ou hidroponia, é definido como toda a forma de cultivo de espécies vegetais realizada fora do solo, onde a nutrição e hidratação das plantas são feitos totalmente ou majoritariamente com o uso de soluções nutritivas.
No Brasil, o sistema hidropônico mais utilizado para o cultivo de hortaliças folhosas é o NFT, sigla em inglês que significa Nutrient Film Techinique. Nesse sistema, as plantas são colocadas em bancadas compostas por canais, caneletas ou perfis, os quais possuem uma inclinação de 5,0 a 12%.

Como funciona?

A solução nutritiva, armazenada em reservatórios (geralmente caixas d´água), é bombeada por meio de tubulações até a parte superior dos perfis, percorrendo todo o seu trajeto por gravidade, hidratando e nutrindo as plantas.
Na parte inferior da bancada, essa solução é coletada e redirecionada até o reservatório, de onde é bombeada novamente para os perfis, caracterizando um sistema hidropônico fechado.
Devido a essa característica, de recirculação da solução nutritiva, é uma técnica de cultivo que permite o uso da água e de fertilizantes de forma muito mais eficiente e econômica em comparação ao sistema de cultivo tradicional, feito no solo.
Além disso, o controle nutricional das plantas é mais preciso, permitindo a manutenção das condições ideais às plantas com mais facilidade, o que contribui para o aumento da produtividade e qualidade do produto.

Mais vantagens

Outras vantagens da hidroponia são a redução de problemas fitossanitários e a geração de produtos mais limpos, com maior valor agregado e durabilidade pós-colheita, além de terem uma excelente aceitação pelos consumidores.
Em vista dessas vantagens, a hidroponia tem sido o sistema de cultivo mais recomendado para a produção de alfaces diferenciadas, também conhecidas como gourmet.
Esse segmento de hortaliças tem apresentado crescimento significativo nos últimos anos no Brasil devido a sua aparência e sabor, sendo uma ótima opção para a diversificação de produtos e aumento de renda dos hidroponistas.

Alfaces

Dentre as alfaces diferenciadas, as do tipo frisée (também conhecida como crispy ou frisada) tem se destacado no mercado nacional devido a sua aparência diferenciada, com folhas delicadas e de bordas frisadas, apresentando boa aceitação pelos consumidores, especialmente aquelas mais exigentes por qualidade e sabor.
As plantas de alface frisée geralmente apresentam inúmeras folhas, sendo que alguns materiais genéticos podem desenvolver até mais de 80 folhas. Com isso, esse tipo de alface possui uma maior exigência nutricional quando comparado às alfaces tradicionais. Necessitam mais fósforo, potássio e cálcio que os demais tipos de alface.
São plantas que apresentam incremento do peso durante as 2 últimas semanas do cultivo e, consequentemente, o requerimento nutricional também aumenta nesse período.
A etapa inicial da produção hidropônica de alface frisée é a produção das mudas. É uma fase que precisa de grande atenção do produtor, pois situações estressantes podem gerar maiores índices de plantas cegas, formação de cabeça dupla e/ou atraso no desenvolvimento das plantas.

As mudas

Alguns cuidados na formação das mudas:

  • Realizar a semeadura em períodos frescos do dia (início da manhã ou final da tarde) e usar água fresca para hidratar o substrato;
  • Evitar altas temperaturas durante o período de germinação das sementes;
    • Manter as bandejas em sala de germinação com temperatura entre 18 e 25ºC por 48 a 72 horas. Essas condições são importantes para reduzir problemas como emergência desuniforme, cabeça dupla e planta cega.
  • O nível da condutividade elétrica (unidade em mS cm-1) da solução nutritiva deve ser ajustado dependendo da temperatura e da idade das mudas. Níveis mais altos podem ser usados no inverno. O mais comum é manter entre 1.2 – 1.5. No verão, recomenda-se reduzir entre 0.6 – 0.8, o que tem gerado bons resultados no controle de cegamento de plantas. Entretanto, esses valores podem ser ajustados consoante a qualidade da água e condições climáticas do local de cultivo.
  • Garantir que a solução nutritiva esteja bem balanceada, especialmente em relação ao teor de Boro (entre 0,5 e 1,0 g 1000 litros-1);
  • Realizar a irrigação das mudas de forma adequada, evitando ressecamento do substrato e estresse hídrico, o que pode prejudicar o desenvolvimento das mudas, atraso no seu crescimento, maior índice de plantas cegas e com cabeças duplas e pendoamento precoce.

Etapas

O período de formação das mudas dura entre 10 e 25 dias, dependendo do tipo de recipiente (bandejas ou espuma fenólica), das condições climáticas do local e do manejo nutricional. Um ponto importante é evitar atrasos no transplantio das mudas para a próxima fase (berçário ou crescimento final), pois a competição por luz pode causar o estiolamento das mudas, o que não é desejado.
Quando as mudas atingem o tamanho ideal, elas devem ser transferidas para os perfis de berçários ou para a fase de crescimento final. Mudas produzidas em bandeja ou espuma fenólica com volumes de células pequenos (bandeja de 288 e espuma com 345 células), são geralmente transferidas para os berçários (fase intermediária).
Já mudas maiores, produzidas em bandejas de 128 ou 200 células com substrato podem ser transplantadas diretamente para os perfis da fase de crescimento final.
Quando é usada a fase de berçário, as plantas permanecem nessa fase por 15 até 28 dias, sendo então, transferidas para os perfis de crescimento final, onde ficam por mais 20 a 20 dias. Já quando não é usada a fase de berçário, as mudas (de maior tamanho) são transferidas diretamente para a bancada de crescimento final, onde permanecem por aproximadamente 25-30 dias.

Pós-transplante das mudas

Algumas orientações nas fases pós-transplante das mudas:

  • Realizar o transplante nas primeiras horas da manhã ou no final da tarde;
  • Períodos ou regiões mais quentes, realizar a transferência precoce das mudas para as bancadas de berçário ou de crescimento final. Essa ação reduz estresse nas mudas, especialmente o térmico, o que pode ajudar na prevenção de pendoamento precoce na fase posterior;
  • O espaçamento recomendado para alface frise é de 10 – 12,5 cm na fase de berçário e de 18 – 20 cm na fase de crescimento final.
  • Utilizar soluções nutritivas bem balanceadas e com condutividade elétrica (unidade em mS cm-1) entre 1,4-1,6 (períodos quentes) a 1,6-1,8 no inverno (valores mais usuais). Valores de CE abaixo ou acima do recomendado podem ser usados em certas situações, dependendo da qualidade da água utilizada, da configuração do sistema hidropônico ou das condições climáticas do local de cultivo.

Colheita

A colheita das plantas ocorre entre 55 e 65 dias após a semeadura, dependendo do material genético cultivado, manejo nutricional realizado, condições climáticas do ambiente de cultivo ou do padrão (tamanho) de planta desejado.
Recomenda-se realizar as colheitas em períodos mais frescos do dia e evitar manter as plantas colhidas dentro da estufa para não ocorrer o seu aquecimento. Sempre que possível, manter o material colhido em ambiente refrigerado e realizar o seu transporte até os pontos de comercialização de forma rápida e em veículos preferencialmente refrigerados.

Na prática

O produtor hidropônico Ricardo Tarchiane, proprietário da empresa Horta Viva, referência na produção de alfaces gourmet na região de Campinas (SP), faz o cultivo de diferentes tipos de alfaces diferenciadas, dentre elas as do tipo frisée.
Segundo Ricardo, esse tipo de alface exige condições especiais para alcançar um excelente padrão de qualidade.
O produtor inicia o cultivo realizando a semeadura em placas de espuma fenólica de 345 células. As placas ficam em ambiente controlado (25 °C) por 72 horas, quando então são transferidas para as mesas de germinação.
Na mesa de germinação, as mudas permanecem por aproximadamente sete dias, sendo na sequência transferidas para a bancada de berçário (espaçamento de 10 x 10 cm). No berçário, as plantas permanecem por 25 a 30 dias, dependendo do material genético utilizado.
Depois desse período, elas são transferidas para as bancadas de crescimento final (espaçamento de 20 x 20 cm), onde ficam por mais 25 a 38 dias, quando atingem o tamanho comercial. Os materiais genéticos de alface frisée cultivados pelo hidroponistas são: Agnes (Feltrin), Brunela (Feltrin), Excentric RZ (Rijk Zwaan), e Triplex RZ (Rijk Zwaan).
Dentre as principais pragas e doenças que ocorrem no cultivo hidropônico da alface frisée, Ricardo destaca: tripes, pequeno inseto que causa a rapadura das folhas, gerando lesões que depreciam o produto; oídio, doença fúngica que ataca toda a parte aérea da planta, principalmente a superfície foliar, caracterizada pela formação de manchas esbranquiçadas, secas e pulverulenta; e podridão mole (Pectobacterium carotovorum subsp. Carotovorum), doença bacteriana que causa a desintegração do tecido afetado, tendo como característica o odor de “ovo podre”.

Telas

Ricardo Tarchiane também ressalta que essas alfaces são sensíveis às altas temperaturas, recomendado, especialmente para as alfaces frisée de coloração verde o uso de telas de sombreamento (30% de sombreamento). O uso de telado no cultivo dessas alfaces evita o ressecamento excessivo das folhas, gerando plantas mais bonitas e suculentas.
A empresa Horta Viva comercializa as alfaces frisée, assim com as demais folhosas, na forma de planta inteiro ou desfolhas (processada). As plantas inteiras são embaladas em saquinhos plásticos tipo cone (tradicionais para alfaces hidropônicas) e as processadas são desfolhadas pré-higienizadas e embaladas em sacolas plásticas lacradas.

Fonte: https://revistacampoenegocios.com.br