Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC divulgou no último dia 20 de março um novo relatório apontando que as mudanças climáticas estão avançando em um ritmo mais acelerado do que as medidas tomadas para contê-las. Diante disso, é preciso acelerar o passo, e tomar medidas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
No Brasil, as iniciativas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade amazônica – como o pirarucu, a castanha-da-Amazônia, e a copaíba – podem ajudar na redução de emissões ligadas ao desmatamento e à degradação florestal, porque aliam a geração de renda à manutenção de milhões de hectares de floresta em pé, e à melhoria da qualidade de vida de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
O tempo está acabando
Segundo o relatório do IPCC, a intensidade das medidas tomadas na próxima década definirá a gravidade da crise climática que enfrentaremos. A temperatura global já está 1,1°₢ acima dos níveis pré-industriais, muito próximo do limite de 1,5°C de aumento até 2100, estabelecido como meta do Acordo de Paris para evitar piores impactos das mudanças climáticas. As emissões vêm aumentando nos últimos anos, e será necessário reduzi-las quase à metade até 2030 para limitar o aquecimento a 1,5°C
No Brasil, segundo o décimo relatório de análise das emissões brasileiras do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram 40% desde 2010, quando foi regulamentada a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC). Nesse período, as emissões de CO2 por desmatamento aumentaram 83%, em grande parte devido ao desmatamento sem precedentes da Amazônia brasileira, onde estão estocadas 49 bilhões de toneladas de carbono.
Iniciativas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade tem tido sucesso em evitar o desmatamento e outras atividades predatórias em Terras Indígenas (TIs) no Amazonas, apontando uma das muitas estratégias na qual o país pode investir para reduzir suas emissões.
Apenas em 2022, iniciativas deste tipo apoiadas pelo Raízes do Purus, projeto realizado pela Operação Amazônia Nativa – OPAN, com patrocínio da Petrobras, em seis TIs no sul e sudoeste do Amazonas, por exemplo, contribuíram para evitar as emissões de 315.709,61 toneladas de CO2 para a atmosfera, e propiciaram a manutenção de um estoque de 130.473.106,85 toneladas de carbono armazenado nas florestas sob influência da área do projeto.
As soluções já existem
Essas atividades têm como base o fortalecimento da organização coletiva das comunidades indígenas para a proteção de seus territórios e a contenção de atividades predatórias diversas. Por isso, beneficiam a proteção de toda a biodiversidade, e são reconhecidas como atividades “guarda-chuva”.
- Manejo sustentável de pirarucu
O povo Paumari do rio Tapauá, por exemplo, conseguiu reduzir muito a pesca ilegal em suas três terras indígenas na região do médio rio Purus com a estruturação de um sistema de vigilância comunitário que envolve sete bases de vigilância flutuantes e rondas em voadeiras e canoa nos locais onde costuma haver invasões. “Em meados de julho, começamos a vigilância mais intensa, porque é época de mais invasões para pesca, devido aos rios estarem mais secos”, explica Francisco Paumari, coordenador do manejo sustentável de pirarucu.
No caso dos Paumari, a vigilância tem como foco proteger os pirarucus que vivem nos lagos dos territórios, e estão cada vez mais abundantes após um período de escassez causado pela pesca predatória e ilegal. Mas a proteção dos lagos promove a circulação nas terras indígenas, e inibe também outras atividades ilegais, como o desmatamento.
Além das árvores mantidas em pé, a conservação dos lagos também contribui para a redução das emissões de CO2. Recentemente, cientistas apontaram que os lagos da Amazônia absorvem três vezes mais carbono do que as florestas.
As comunidades fortaleceram sua organização coletiva, criaram a Associação Indígena do Povo da Água – AIPA, e hoje comercializam o pirarucu de manejo sustentável pescado nos territórios por meio da marca coletiva Gosto da Amazônia, gerando uma renda anual para as famílias.
- Manejo sustentável de castanha-da-Amazônia
O manejo sustentável de castanha-da-Amazônia, realizado pelo povo Apurinã, na Terra Indígena Caititu, também contribui para a proteção do território. “Hoje, a gente tem que entender que esses territórios estão aí, com floresta em pé, por causa do trabalho de ocupação territorial que os castanheiros fazem. Não tem preço que pague”, afirma Diogo Giroto, coordenador do Programa Amazonas, da OPAN.
No período de coleta de castanha, entre dezembro e abril, as famílias indígenas se dispersam pelos diversos castanhais nativos do território, muito dos quais estão em áreas remotas. Nesse processo, se deslocam por vastas extensões, e inibem invasores e ações predatórias. “São os castanheiros que sobem os igarapés, atravessam cachoeiras, passam inúmeras dificuldades, ficam lá 30, 50 dias, e dão notícias aos órgãos competentes sobre o que está acontecendo no território”, completa o coordenador.
A castanha, alimento de grande valor nutricional, é comercializada por meio de um arranjo comercial coletivo, encabeçado pela Associação dos Produtores Indígenas da Terra Indígena Caititu, e é uma fonte de renda para as famílias. Além de protegerem seu território, com a organização coletiva, os indígenas estão conseguindo um valor mais justo pela castanha que comercializam.
- Manejo sustentável de copaíba
O povo Jamamadi da Terra Indígena Jarawara/Jamamadi/Kanamanti incorporou o manejo sustentável de copaíba em seu plano de gestão territorial e ambiental (PGTA) como uma alternativa para geração de renda sustentável, e para a proteção do território. Apesar de não terem um sistema de vigilância estruturado, como os Paumari, os Jamamadi vigiam seu território durante as atividades cotidianas, como a pesca, a caça, e a coleta de copaíba, que propicia a circulação dos indígenas por áreas remotas do território, e estão sempre atentos a sinais de invasores.