Nutrição inteligente contra perdas de Nitrogênio no feijoeiro

Nutrição inteligente contra perdas de Nitrogênio no feijoeiro

Edson Pereira Mota
Doutor em Solos e Nutrição de Plantas, especialista em Agronegócios e professor – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB)
prof.edson.mota@faesb.com

Raquel Peverari de Campos
Graduanda em Engenharia Agronômica – FAESB
raquel.peverari@gmail.com

Em termos de produção, nosso país se enquadra como 4° maior produtor de feijão no mundo, com cultivo difundido em todo o território nacional. Apesar disso, o destino dado ao grão é interno, ou seja, o Brasil não está entre os maiores exportadores.

Dados da Conab (2022) trazem que a produção nacional na safra 2021/22 é estimada em 3,0 milhões de toneladas, em área plantada próxima a 3,0 milhões de hectares. Assim, tem-se produtividade média nacional próxima a 1,0 t/ha (17 sacas/ha), valor bem abaixo do potencial produtivo, uma vez que valores de 3,0 t/ha (50 sacas/ha) não são raros de serem encontrados em cultivos bem manejados.

Entre os principais fatores que podem definir a obtenção de altas (ou baixas) produtividades, tem-se o manejo nutricional da cultura, podendo-se ressaltar o nitrogênio (N), elemento de grande requerimento pelo feijoeiro e envolvido em diversos compostos e processos na planta.

Importância do nitrogênio

O N participa da constituição de proteínas, ácidos nucleicos e da molécula de clorofila, e se apresenta como um dos elementos responsáveis pelo aumento da área foliar, isto é, aumento da eficiência na interceptação da radiação solar e, consequentemente, da taxa fotossintética.

Para cada tonelada de grãos produzida são requeridos pela planta cerca de 50 kg de N, dos quais metade é encontrado no grão que é exportado do campo. Desta forma, cultivos de altas produtividades podem demandar doses superiores a 150 kg/ha de N.

Embora o feijoeiro seja uma planta leguminosa, ou seja, com capacidade de realizar a fixação biológica de nitrogênio (FBN), ele não é capaz de suprir integralmente sua demanda de N, devido a fatores relacionados às cultivares, estirpes bacterianas e às condições ambientais, tornando necessária a complementação via adubação, para que, então, possa se atingir altas produtividades.

Cuidados

Como pode ser percebido, o fornecimento do N em feijão precisa ser realizado com cuidado, sendo que o manejo inadequado da adubação nitrogenada pode ser o ponto decisivo para o bom rendimento da cultura e do produtor, já que esse nutriente é, também, um dos que mais eleva o custo de produção.

Ao considerar o contexto de alto requerimento, necessidade de fornecimento e significativo impacto no custo de produção, todo o fornecimento deve ser planejado e realizado com estratégia, pois adicionalmente a estes aspectos, o N possui propensão a perdas, principalmente na forma de gases, sendo o gás amônia (NH3) e o óxido nitroso (N2O) dois destaques fundamentais no sistema de produção.

As perdas pelo gás amônia são causadas pelo fenômeno denominado volatilização, um processo que converte o N disponível para absorção pela planta em uma forma que impossibilita que seja aproveitado.

Este problema ocorre após a aplicação da ureia (CO)(NH2)2), que é, hoje, o adubo nitrogenado mais aplicado na agricultura brasileira e mundial, dada sua alta solubilidade e concentração de N (45%), que diminui o custo por ponto de N e traz facilidades logísticas no menor espaço para armazenamento e maior rendimento para aplicação.

De ureia a urease

Basicamente, após a ureia ser aplicada, na presença de umidade no solo, esta é solubilizada e encontra-se com uma enzima encontrada no solo e em restos culturais, a uréase. Então, a ureia é hidrolisada, formando um composto chamado carbonato de amônio.

Antes de prosseguir, cabe ressaltar um erro comum no manejo da adubação com ureia no feijoeiro: a aplicação em solo úmido, uma vez que já solubiliza o fertilizante e já propicia o início do processo de perdas. Desta maneira, é recomendado que se aplique a ureia em solo seco (preferencialmente com planejamento e expectativa de chuvas após a aplicação).

Com a formação do carbonato de amônio, este se dissocia em presença de água liberando o cátion amônio (NH4+) – uma forma preferencial de absorção pela planta – e o ânion carbonato, que possui potencial de elevar o pH do solo, consumindo o H+ pertencente à acidez do solo.

Assim, há elevação do pH ao redor do grânulo do fertilizante, podendo atingir valor até 9,0 (aumento da atividade de hidroxila – OH-) e, nestas condições, o NH4+ que pode ser absorvido é convertido a NH3, gás que se perde para a atmosfera.

CO(NH2)2 + 2 H2O + urease à (NH4)2CO3

2NH4+ + CO32- + H2O à 2NH4+ + HCO3+ OH

HCO3+ H+ à H2CO3 à H2O + CO2 (elevação do pH)

OH+ 2H+ à H2O (elevação do pH)

NH4+ + OH à NH3 + H2O (perda na forma de gás)

Volatilização

As perdas por volatilização de amônia podem chegar facilmente a mais de 30% do que foi aplicado, sendo que valores superiores a 50% podem ser encontrados em trabalhos de pesquisa já publicados.

Outra forma importante de perda na forma de gás provém da desnitrificação, que é a produção de forma gasosa de N (N2O e N2) a partir do NO3-. Este processo ocorre em ambientes redutores (como os inundados, sem oxigênio).

A perda ocorre, pois em ambientes sem oxigênio, bactérias anaeróbicas facultativas, como da família Bacilus, Pseudomonas e Spirilum utilizam os elétrons do nitrato e, assim, o reduzem para as formas de N2O e, posteriormente, N2 (o mesmo encontrado na atmosfera).

NO3 à NO2 à NO à N2O à N2

Causas

Dois pontos devem ser discutidos sobre a perda por desnitrificação: problemas ambientais e perda de energia. Com relação aos danos ambientais, o N2O se caracteriza como um GEE (Gás do Efeito Estufa), assim como o gás carbônico (CO2).

Porém, este gás nitrogenado possui cerca de 310 vezes mais “potência” do que o CO2, estando envolvido em questões como o aquecimento global. Para a perda de energia e recursos, deve ser lembrado que a obtenção do nitrogênio exige a quebra da tripla ligação covalente do N2, conseguida via processo de alto gasto de energia (elevadas pressões e temperaturas), o que eleva os custos dos adubos nitrogenados.

Então, a desnitrificação retorna o nitrogênio para sua forma anterior a todos os processos de produção, comercialização e uso no campo.

Solução

Visto que a problemática das perdas da ureia na forma de gases pode ser impactante na cultura do feijoeiro, alternativas têm sido desenvolvidas para auxiliar a mitigar estes problemas, podendo ser citados os fertilizantes de liberação controlada (FLC).

Os FLC são insumos com agregação de tecnologia que visam otimizar o uso dos fertilizantes nitrogenados em sua forma convencional, controlando a liberação e diminuindo a disponibilidade imediata ao solo, que expõe, por exemplo, a ureia aos fatores causadores de perdas.

Entre os procedimentos para controle de liberação, a encapsulação da ureia oferece proteção física aos grânulos de N. Desta maneira, evita que haja contato direto com o solo e seus compostos, como a urease, diminuindo os processos de hidrólise e atenuando as perdas por volatilização.

Para fontes nítricas, a encapsulação permite, em casos de inundação ocasional, a exposição do nitrato a condições de perda por desnitrificação.

Entre um e outro

Analisando a dinâmica dos problemas de perdas via gases, pôde ser percebido que a maior exposição do fertilizante intensifica as perdas. Então, comparando-se com a forma tradicional dos nitrogenados, a longevidade que os fertilizantes recobertos podem conferir refletem em padrão de disponibilização do nutriente para o solo, e à planta, diferenciado.

Desta forma, o feijoeiro tem possibilidade de obter mais adequadamente o suprimento de N ajustado às suas demandas nutricionais no tempo, permitindo maior aproximação da liberação do N com a marcha de absorção do elemento pela cultura.

A cultura do feijão possui um grande intervalo entre o consumo das reservas dos cotilédones e o início do processo de FNB. Os fertilizantes de liberação controlada podem ser um elo importante para fornecer o N necessário, pelo tempo necessário, garantindo a nutrição e elevação da produtividade e retornos financeiros ao produtor.

Outro ponto a ser levantado é a prática comum do parcelamento da aplicação dos fertilizantes nitrogenados no feijoeiro, uma vez que são aplicados cerca de 10 a 20% no plantio e o restante em cobertura.

Produtos com liberação controlada possibilitam o estudo da aplicação em apenas um momento, no plantio, seja isolado ou combinado com as fontes convencionais de liberação imediatas, seguindo um manejo de adubação parcelada “adiantado” nas proporções de plantio e cobertura.

Custo

É preciso considerar que a eliminação da aplicação de cobertura causa vários reflexos dentro do custo de produção, como a diminuição dos custos com aplicação (máquinas, mão de obra, diesel, depreciação e manutenção de máquinas e implementos etc.), além de minimizar entradas na área e melhorar o aspecto de conservação do solo.

Resultados positivos da aplicação dos FLC têm sido encontrados em pesquisas com a adubação do feijoeiro (e em várias outras culturas), podendo tanto reduzir custos quanto elevar a produtividade.

Entretanto, o produtor não deve se esquecer que a agregação de tecnologia a insumos traz elevação de custo, ou seja, o planejamento e controle do sistema de produção deve ser realizado com atenção, tendo em mente que a elevação do nível tecnológico de partes do sistema requer a elevação tecnológica do sistema inteiro.

Assim, fazer o arroz com feijão na organização da propriedade é o que vai decidir o sucesso da adoção dos FLC no cultivo do feijoeiro.

Fonte: https://revistacampoenegocios.com.br