O país está mais envolvido com o consumo consciente do que nunca. O Relatório Brasil 2020 – Vida Sustentável, desenvolvido pela Akatu junto à GlobalScan, revela que 70% dos brasileiros esperam que as empresas não agridam o meio ambiente. E mais de 60%, que as empresas estabeleçam metas para tornar o mundo melhor.
Quando o assunto é alimentação, a preocupação não é apenas com a origem do que chega ao prato, mas também com a forma que as empresas minimizam o impacto da produção que aquele produto causa ao meio ambiente. A agropecuária, em 2021, foi responsável por 25% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, segundo levantamento do Observatório do Clima. No mesmo período, o rebanho brasileiro cresceu 3,1%. Ou seja, dependendo da criação desses animais, eles podem contribuir para o aumento nas emissões de metano e dióxido de carbono.
Para minimizar esse impacto, atender às exigências do consumidor e conduzir o setor para uma produção mais sustentável, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolveu a marca-conceito Carne Carbono Neutro (CCN), que, em seu processo de produção, tem o metano emitido pelos animais neutralizado por meio do sequestro de carbono. Isso é feito através das árvores plantadas na área, com adoção de tecnologias como silvipastoril (pecuária-floresta, ou IPF) ou agrossilvipastoril (lavoura-pecuária-floresta, ou ILPF).
“O consumidor final e o mercado atualmente estão à procura de alimentos que sejam saudáveis e que venham de um sistema sustentável. Então não podemos mais pensar em produzir a qualquer custo. Acredito que esse seja um fator que possa ampliar a adoção de práticas e tecnologias já disponíveis que possibilitam ao Brasil ofertar produtos advindos de sistemas como o CCN”, afirma Márcia Silveira, pesquisadora de Manejo de Pastagens da Embrapa/Pecuária Sul.
Ao se trabalhar com as diretrizes da Carne Carbono Neutro, é possível impactar positivamente na redução e mitigação de emissão dos gases de efeito estufa. Isso acontece em função da recuperação e manejo sustentável de animais e pasto, bem como pelo aumento do estoque de carbono no solo e no componente arbóreo. Mas o CCN é uma marca própria e não deve ser confundido com termos como “carne neutra em carbono”, “pecuária neutra”, “carne carbono zero”, entre outros. A única empresa que hoje pode utilizar essa denominação é a Marfrig, uma das maiores de proteína bovina do mundo em capacidade e parceira da Embrapa no desenvolvimento do CCN desde 2018.
Como funciona o CCN?
A produção da Carne Carbono Neutro funciona através de sistemas de integração do tipo silvipastoril (pecuária-floresta, ou IPF) ou agrossilvipastoril (lavoura-pecuária-floresta, ou ILPF). De maneira simplificada, os gases de efeito estufa dos animais são capturados pela fotossíntese das plantas da área e ficam armazenados no tronco das árvores. Entre as vantagens da criação de animais nesses sistemas, estão a intensificação sustentável do uso da terra, a diversificação da produção, a conservação do solo, o melhor uso dos recursos naturais e dos insumos, a redução da pressão pela abertura de novas áreas de produção, o bem-estar animal, o sequestro de carbono e a mitigação das emissões de gases.
Para o consumidor, o selo “Carne Carbono Neutro” certifica que a carne produzida nesse tipo de sistema, seguindo os parâmetros do protocolo exigido para a obtenção do selo, teve as emissões de metano originadas pelos animais neutralizadas pelas árvores inseridas neste mesmo ambiente. Uma redução importante do impacto ambiental relacionado às emissões de gases de efeito estufa do produto – neste caso, a carne.
Apenas as carnes da linha Viva!, da Marfrig, possuem o selo em suas embalagens. O gado que dá origem aos cortes de Picanha, Baby Beef, Contrafilé, Maminha, Acém e Entrecôte da marca é criado no pasto com florestas de eucaliptos, importantes para a retirada do gás metano da atmosfera. O selo CCN pode ser utilizado para carnes bovinas frescas, congeladas ou transformadas, para mercado interno e para exportação.
Segundo a Embrapa, o selo é atribuído à carne, mas, ao indicar que ela foi produzida em condições adequadas de manejo da pastagem e do solo, promovendo conforto térmico e a mitigação de metano entérico dos animais em pastejo, a propriedade também pode ser reconhecida pela adoção de práticas sustentáveis.
Não há diferença nas propriedades físicas e de qualidade entre uma peça de Carne Carbono Neutro e uma tradicional. Entretanto, o selo CCN garante que os bovinos não só tiveram suas emissões de metano compensadas, como foram criados em um ambiente de conforto térmico e bem-estar. Além do CCN, está em desenvolvimento o protocolo Carne Baixo Carbono (CBC), que busca valorizar sistemas de produção sem o componente arbóreo, mas que, mediante adoção de práticas como ILP, RPD (Recuperação de Pastagens Degradadas) e manejo de pastagens, possam aumentar o estoque de carbono no solo e contribuir para a redução das emissões de metano entérico.
A validação desse protocolo, que será vinculado à marca-conceito CBC, está sendo conduzida na Fazenda Trijunção, uma unidade-modelo para o Cerrado, que combina agropecuária, criação de animais silvestres e turismo ecológico com respeito ao meio ambiente, produção sustentável, pesquisas técnico-científicas e educação. “Na Fazenda Trijunção, localizada em Cocos-BA, validamos os protocolos do CBC em condição de ambiente comercial, ou seja, vida real. Trabalha-se com animais da raça Nelore durante a recria e terminação, e os dados mostram ganhos individuais e por área satisfatórios para esses animais no pasto. Ao mesmo tempo, ter boa cobertura e condições do solo, via incorporação de matéria orgânica, contribui para manter o carbono no sistema. A Fazenda é referência para a região e tem um enfoque na intensificação sustentável. Dialoga perfeitamente com os objetivos pretendidos com a marca-conceito”, explica Márcia.
Segundo a pesquisadora, os dados sobre o CBC têm mostrado que, fazendo o básico bem feito, ou seja, manejando corretamente o pasto, fazendo adubação estratégica de manutenção, ajustando a carga animal ao crescimento do pasto e suplementando quando preciso, é possível ter ganhos consideráveis de produção por área, sem aumento de emissões de gases de efeito estufa. O protocolo CBC ainda não está disponível para uso, está em fase final de elaboração e registro. Provavelmente será disponibilizado para adesão por parte dos produtores a partir de 2023. “Essas são oportunidades para um posicionamento do Brasil diante de mercados mais exigentes, pela possibilidade de produzir e ofertar um produto (carne e leite) de qualidade e de grande apelo e aceitação”, finaliza Márcia.