A transformação da Fazenda Roncador

A transformação da Fazenda Roncador

O produtor Pelerson Penido Dalla Vecchia tem na memória – e na estante atrás da sua mesa no escritório – o histórico dos diagnósticos socioambientais da Fazenda Roncador dos últimos 10 anos. A década marcou uma verdadeira revolução em uma das maiores fazendas do País, com 147 mil hectares movida por boa gestão, tecnologia e monitoramento constante do desempenho.
Sua produção cresceu mais de 57 vezes no período de 2009 a 2020, à pecuária somou o cultivo de soja e milho, aumentou a biodiversidade local e neutralizou as emissões de gases de efeito estufa de sua operação. E sem cortar nenhuma árvore, como Pelerson – mais conhecido como Peleco -, presidente do Grupo Roncador e neto do seu fundador, se orgulha de destacar.
Mas não foi sempre assim. Por volta de 2007, a propriedade localizada em Querência (MT) enfrentava um esgotamento da terra e perda de lucratividade. Uma das conclusões para a piora dos resultados econômicos era a prática de uma pecuária extensiva. O desafio, então, era se tornar mais lucrativo e sustentável ao mesmo tempo.
A Produzindo Certo, ainda como Aliança da Terra, testemunhou os esforços dos administradores nessa jornada e se orgulha de ter apoiado a sua transformação. Os técnicos da Produzindo Certo se somaram aos investimentos que já eram realizados na fazenda de intensificação das práticas produtivas e tecnologia para dedicar um olhar exclusivo entre o equilíbrio da produção e o respeito às pessoas e ao meio ambiente.
A Fazenda Roncador está na plataforma desde 2008. No ano seguinte assinou os primeiros compromissos de adequação socioambiental. Um diagnóstico inicial traçou o perfil da propriedade, fornecendo uma visão ampla e integrada dos pontos positivos e das necessidades de melhoria. Serviu de guia para a ação.
“No primeiro levantamento, você enxerga o mapa todo pintado. E agora, né?”, brinca Peleco. “É uma boa ferramenta, deixa tudo bem detalhado. A melhor coisa é você saber o que pode melhorar. Me deu a percepção do que era preciso fazer”, afirma.

Tamanho maximizado

Em uma propriedade com as dimensões da Roncador, todo o trabalho é superlativo. Só de estradas internas contam-se 700 quilômetros, onde vivem aproximadamente mil pessoas. Após a primeira visita dos técnicos, os administradores assumiram o compromisso de melhoria de 205 itens que poderiam se tornar passivos se não fossem aprimorados.
Entre os temas, Peleco destaca o investimento nos espaços de trabalho, garantindo mais segurança e bem-estar aos funcionários – a propriedade passou de 49 para mais de 558 colaboradores em doze anos. A gestão das Áreas de Preservação Permanente (APPs) também evoluiu e mais de 30% foi recuperada.
O dashboard de acompanhamento socioambiental da fazenda inclui outras informações monitoradas em aspectos sociais, ambientais e produtivos. Hoje, a propriedade está entre as de melhor score socioambiental da plataforma, com pontuação acima de 90.
Desde 2008 não se abrem novas áreas na fazenda. Localizada em uma região de transição entre cerrado e floresta, dentro da Amazônia Legal, a Fazenda Roncador precisa manter aproximadamente metade de sua área com mata nativa ou áreas de proteção permanente, conforme o Código Florestal.
Dos 69 mil hectares preservados atualmente, cerca de 4 mil são excedentes ao exigido pela lei. Para ampliar a cobertura vegetal nativa, os administradores mantêm um viveiro com cerca de 40 mil mudas de espécies nativas. Com mais áreas conservadas, a fauna também se amplia.

Onde as onças têm seu espaço garantido

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Além de pássaros e pequenos animais, as onças pintadas são cada vez mais presentes na região. Prova disso é a contagem de cabeças de gado abatidas pelos felinos – passou de cerca de 90 para mais de 1.800 em 2020. Mas essa perda não é vista como um prejuízo pelos administradores do rebanho de 70 mil unidades.
É, antes de tudo, um indicador de qualidade da biodiversidade local. A fazenda foi a primeira do Brasil a obter o certificado de proteção fornecido pelo Instituto Onça Pintada.

Bom para o produtor e consumidor

A Roncador integra também outra iniciativa, dentro do programa de acompanhamento dos fornecedores de carne rubia gallega para o Grupo Pão de Açúcar (GPA) – ação existente desde 2016. Nesse período, a gestão produtiva e socioambiental foi sendo sofisticada e a fazenda aderiu ainda a outros compromissos, como o Programa 3S, de soluções para Suprimentos Sustentáveis, e o IBS, Instituto Biosistêmico, para consultoria e serviços em agricultura sustentável e desenvolvimento rural.

Um ciclo dinâmico

Mais alimentos sendo produzidos, sem abrir novas áreas. A porção produtiva se divide entre pecuária (26 mil ha) e o sistema integrado soja- capim -boi (30 mil ha). No modelo de integração lavoura-pecuária, de outubro a fevereiro, o foco é a agricultura, com a criação de gado predominando de abril a setembro. Outros 20 mil ha são usados para cultivo de soja e milho em uma joint venture com o grupo SLC – onde o modelo de produção integrada está no início.
A integração das culturas se traduz em mais produtividade e qualidade. A soja fixa nitrogênio na terra e o estímulo do pastejo (a passagem do gado pelas áreas) incentiva o crescimento das raízes do capim, que chegam a três metros de profundidade, reciclando os nutrientes e descompactando do solo, criando microgalerias, que aumentam a sua permeabilidade a acumulam a matéria orgânica (CO2). A passagem do gado também aumenta a vida do solo (esterco e urina). E a palhada que sobra (pelo menos 2,5 t de matéria seca) garante a cobertura de solo para o plantio direto da soja, além de conservar a umidade e aumentar o conforto térmico para a próxima cultura da leguminosa.
A prática ainda reduz a necessidade de fertilizantes. A Roncador também tem como compromisso a redução do uso de defensivos químicos e realiza controle biológico de pragas. O objetivo é expandir o uso de defensivos biológicos em todo o sistema produtivo. Outra ação realizada com frequência é a análise de resíduos nos grãos produzidos na busca pelo sistema produtivo que alcance a soja Zero Resíduo. Hoje, a maioria das analises apontam para zero e, quando aparece algum, esta bem abaixo dos limites estipulados pela Uniao Europeia.

Contribuição para a redução do carbono

O resultado de todo esse processo é uma fazenda carbono positivo. Isto é, as atividades da Roncador absorvem maior volume de gases de efeito estufa do que lançam na atmosfera, colaborando com o combate às mudanças do clima.
Na safra 2017/18, a operação emitiu 82.499 toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) ao mesmo tempo em que sequestrou -174.270 tCO2e, garantindo um balanço de carbono de -91.777. Para se ter uma ideia dos efeitos desse benefício, é como se as atividades da fazenda retirassem 52 mil carros das estradas por ano.
Essa jornada de transformação da fazenda trouxe ganhos e aprendizados. Gestão e governança são pontos fundamentais. Seu sistema se apoia em dezenas de indicadores medidos continuamente – e os indicadores de desempenho socioambientais e econômicos são alguns deles. Isso garante eficiência e os resultados positivos são consequência, como demonstram os números apresentados pela Roncador.
“Sustentabilidade não é um palavrão. Existe o tripé da sustentabilidade (econômica, social e ambiental). Sem o resultado econômico, o negócio não para em pé. Se você não contar com uma equipe motivada, com um turnover pequeno, pessoas agregando conhecimento e se desenvolvendo, você não consegue sustentar o desempenho. E se você não tiver gestão ambiental, vai aquecer o planeta e não vai conseguir produzir alimento na quantidade necessária”, reflete Peleco, destacando a interdependência dos eixos econômico, social e ambiental
Outros resultados vêm sendo alcançados a partir do trabalho consistente da fazenda nos últimos 10 anos. O Grupo Roncador obteve empréstimo de US$ 10 milhões do Fundo &Green, com juros abaixo da média do mercado, de 3% ao ano. O fundo holandes é focado em proteção florestal e commodities florestais tropicais e se interessou pelo trabalho na propriedade a partir dos resultados obtidos em produtividade e conservação do meio ambiente. A Roncador se comprometeu em aumentar em mais 58% a produção de alimentos nos próximos oito anos. E assim como aconteceu até aqui, sem cortar uma única árvore.
É um exemplo interessante de globalização. Os recursos de um fundo verde europeu com objetivo de impactar positivamente o clima do planeta e aumentar da produção de alimentos sem abrir novas áreas são recebidos por um produtor rural brasileiro totalmente alinhado com o mesmo conceito e que já atuava nesses propósitos há mais de dez anos. E esses alimentos são levados às pessoas que necessitam em todas as partes do mundo.

Trajetória de sustentabilidade

Atendida desde 2016 pelo Instituto BioSistêmico (IBS) no Programa 3S (Soluções para Suprimentos Sustentáveis) da Cargill, a Roncador está entre as fazendas premiadas pelo 3S, pela comercialização de soja certificada.
Desenvolvido pela Cargill com execução do IBS, o 3S é um programa de melhoramento contínuo de sustentabilidade das fazendas produtoras de soja, que permite ao produtor melhorar seus indicadores sociais, ambientais e produtivos.
E a certificação da soja é concedida pela Cargill às propriedades que cumprem os requisitos do programa: desmatamento zero após 2008, bem-estar do trabalhador rural, gestão de gases de efeito estufa (GEE) e melhoramento contínuo dos seus indicadores.
Nessas áreas, a Roncador tem excelentes resultados alcançados a partir da trajetória de sustentabilidade iniciada, há cerca de dez anos, por Pelerson Penido Dalla Vecchia, diretor presidente do Grupo Roncador.
Ele afirma que a premiação pela soja certificada é a confirmação de que é possível fazer direito, colhendo bons resultados produtivos por meio de processos adotados e avaliados por órgão competente. “Isto mostra que é possível produzir em larga escala, fazer o que tem que ser feito, de forma correta, com alto nível técnico e de forma sustentável”, destaca Peleco.
Para Eric Geglio, do time de Sustentabilidade da Cargill, exemplos de propriedades como a Roncador são fundamentais para que a sustentabilidade esteja cada vez mais presente nas cadeias produtivas. “Se hoje é possível oferecer soja certificada ao mercado é porque contamos com a parceria de produtores comprometidos com a sustentabilidade da sua produção”, ressalta Geglio.

Resultados

Com a implantação do ILP, a Roncador aumentou 57 vezes o volume de alimentos produzidos na mesma área. Entre 2009 e 2020, a produção de grãos passou de 41 toneladas para 235.436 toneladas e a produção de carne aumentou de 4.150 toneladas para 6.462 toneladas.
A propriedade capturou mais de 91 mil toneladas de carbono equivalente na safra 2017/18, de acordo com estudo da Pangea. Isso significa que, hoje, a Fazenda Roncador compensa todas as suas emissões de gases do efeito estufa e ainda captura carbono equivalente a 52 mil carros rodando mil quilômetros por um mês durante um ano todo.
“Correlacionando o que produzimos de alimentos com o que foi capturado de carbono equivalente na safra 2017/18, significa que nós fixamos 1,14kg de CO2-equivalente para cada 1,0 kg de alimento produzido. O fechamento do balanço da safra 2018-1019 e 2019-20 está sendo realizado e logo será divulgado”, relata Peleco.

Sistema 4 Ps

O cuidado com as pessoas é um dos pilares do que Pelerson chama de sistema 4 Ps da Fazenda Roncador: Plantio, Pecuária, Pessoas e Planeta. A partir do plantar e colher integrado com a pecuária, foi possível mudar o rumo da Fazenda Roncador para o caminho da sustentabilidade.
Nenhuma mudança teria sido possível, sem a contribuição das pessoas ali envolvidas. E tudo passa pelo dever que é da humanidade: cuidar do planeta. Mais que cuidar do planeta, o exemplo da Fazenda Roncador demonstra a importância de aprender com o planeta.
“A sustentabilidade é a consequência de uma ação persistente no caminho da melhoria”, afirma Peleco. Para ele, é essencial olhar para a natureza como professora e ter a consciência de que a melhoria é contínua. “Nunca acaba. Sempre dá para melhorar mais. Estamos vivos para aprender”, pontua.
O olhar para a natureza e o saber ouvir o que a terra “fala” faz parte de um ensinamento que o diretor presidente do Grupo Roncador parece ter aprendido e que faz questão de compartilhar, seja com outros produtores ou com seus filhos.
Vida é o que não falta no solo da Roncador. “O que antes era terra trincada e seca, hoje está cheio de minhocas”, comemora Pelerson Penido Dalla Vecchia. São detalhes que parecem pequenos, mas são bons indicadores de sustentabilidade da área de 147 mil hectares. E para além dessa extensão, talvez a grandeza da Fazenda Roncador também se revele nessas miudezas, assim como no aprender constante de todas as pessoas que fazem essa gigante rodar. Porque, sim, é sempre possível melhorar.

Fonte: https://revistacampoenegocios.com.br