Hélio Casale
Engenheiro agrônomo e consultor da Tecnores Consultoria e Serviços
hecasale@terra.com.br
Manejar o mato é um dos princípios básicos para se alcançar sucesso com a lavoura cafeeira, principalmente por ser uma prática que está intimamente ligada ao controle da temperatura do solo, da água das chuvas ou da irrigação e a presença de matéria orgânica em bom nível no sistema.
Não confunda
Antes de qualquer coisa, é interessante caracterizar o que é mato e o que é erva daninha. Matos são plantas com raízes abundantes e profundas, parte aérea volumosa, fibrosa, que fazem pequena competição temporária com a lavoura principal por água e nutrientes.
Já ervas daninhas são plantas com pequeno sistema radicular, raízes superficiais pouco volumosas, têm pouca fibra e também competem temporariamente por água e nutrientes com a lavoura principal.
O que fazer?
É prática corrente deixar a área das entrelinhas no limpo a maior parte do ano, principalmente na época da colheita, sob o argumento de que os matos ali crescidos são prejudiciais à lavoura, roubando nutrientes e água.
O que se pode constatar, na prática, é que matos bem escolhidos e bem manejados nas entrelinhas, como não são removidos para fora da área, ao se decomporem, contribuem para reciclar nutrientes, liberando-os lentamente e, consequentemente, aumentando a produtividade da lavoura, baixando a temperatura do solo, aumentando o teor de matéria orgânica, a duração do período vegetativo (folhas demoram mais para cair) e também o acúmulo de reservas das plantas.
Não é qualquer mato que devemos cultivar no meio das entrelinhas. Várias são as opções. A que tem dado excelentes resultados é a Braquiariaruziziensis, por ter características especiais únicas, como: uma só florada por ano, sistema radicular bem desenvolvido, gramatenra, ou seja, não deixa espaço para o crescimento de outras plantas quando manejada manual ou mecanicamente, requer baixa dose de herbicida para ser controlada, alelopatia, inibindo o surgimento de ervas daninhas, alta relação C:N de 40 a 50:1 e bom teor de fibras que, ao se decompor, eleva o teor de matéria orgânica do solo.Â É uma planta incomparável, sem similar nos dias atuais.
A matéria orgânica e o cafeeiro
O cafeeiro, ao longo do tempo, mostrou ser uma planta que se dá bem em solos ricos em matéria orgânica. Baixou a matéria orgânica do solo, começam problemas de toda ordem.
O que devemos saber sobre essa tal matéria orgânica:
1 ha = 100 x 100m = 10.000 m² | |||||||||
10.000m² x 0,20 m = 2.000 toneladas de terra com densidade 1 | |||||||||
2000 t de terra | x | 1% de MO | 20.000 kg de MO | / | 1,724 | 11.600 kg C | x | 3,67 | 42.575 kg CO² |
2000 t de terra | x | 2% de MO | 40.000 kg de MO | / | 1.724 | 23.202 kg C | x | 3,67 | 85.151 kg CO² |
2000 t de terra | x | 3% de MO | 60.000 kg de MO | / | 1.724 | 34.802.kg C | x | 3,67 | 127.726 kg CO² |
Vejam o quanto de CO2 (gás carbônico) pode ser sequestrado, contribuindo para mitigar o chamado “efeito estufa,“ manejando adequadamente o teor de matéria orgânica do solo.
Manejo
É importante introduzir a ruziziensis no início do período das chuvas, gastando de 08 a 10 kg de sementes de boa qualidade por hectare, misturadas com corretivos ou mesmo areia, espalhada uniformemente a lanço de maneira a cobrir toda a área livre das entrelinhas, sem necessidade de enterrar, ou enterrar a pouca profundidade.
Quando atingir o ponto máximo de maturação, é a melhor hora para ser manejada. Em lavouras mecanizadas, o manejo mais indicado é com roçadeira simples ou dupla, regulada de maneira que as facas fiquem a mais ou menos 10 a 12 cm do solo e que o material roçado seja distribuído por toda a área.
Há quem prefira lançar os matos para a proximidade da ponta das saias, mantendo essa área intocada. Quando se aproxima a colheita, o manejo deve ser feito com a trincha, que tritura mais finamente o mato, deixando o solo coberto e evitando que grãos de café fiquem escondidos na palhada.
Já nas lavouras de montanha, não mecanizadas, o manejo pode ser feito com foice, biscó ou roçadeira costal, equipada com cordão ou com lâmina.Desde a primeira roçada,recomenda-se executar essa prática trabalhando em ruas alternadas, o que contribui para deixar vida na lavoura e praticamente dobrar a capacidade operacional das máquinas e equipamentos.
Outra maneira de avaliar a eficácia dessa prática é medir o volume de massa seca colhida por hectare a cada roçada e analisar quimicamente uma amostra composta.
Um exemplo real: braquiária MG5, em t/ha.
Data dos cortes | Peso verde | Peso seco |
22.08.2009 | 23,5 | 6,0 |
13.10.2009 | 69,5 | 24,5 |
25.03.2010 | 65,0 | 26,6 |
Total | 57,1 |
Eis os resultados da análise química e a quantidade de nutrientes reciclados.
Resultados da análise média | Quantidade reciclada, em kg e gramas | |
Nitrogênio | 15 g/kg | 856 |
Fósforo | 1,8 x 1,20 = 0,44 P2O5 | 45 |
Potássio | 32 x 1,20 = 36,4 K2O | 2189 |
Cálcio | 3,5 x 2,48 = 8,68Â CaCO3 | 495 |
Magnésio | 2,5 x 3,47 = 8,67 MgCO3 | 494 |
Enxofre | 0,7 | 40 |
Boro | 18 mg/kg | 1028 |
Cobre | 11 | 628 |
Ferro | 200 | 11420 |
Manganês | 95 | 5415 |
Zinco | 80 | 4568 |
Fique de olhos bem abertos
Manejar o mato é uma das práticas mais fáceis de implantar e executar. O mais difícil é se livrar da tradição e da ‘achologia’. Achar, simplesmente, que os matos vão concorrer com os cafeeiros, competindo por nutrientes, que o manejo é difícil, é pensamento de quem ainda está vivendo o ontem.
Começar é preciso, seja em uma parte de um talhão, um talhão, uma fazenda, não importa, o que mais importa é acreditar e buscar o sucesso.
Essa matéria você encontra na edição de maio 2017 da revista Campo & Negócios Grãos. Adquira já a sua.