*Sergio Alexandre Simões é conselheiro e líder de estratégia na EXEC, consultoria especializada em recrutar e desenvolver executivos e organizações. Doutorando em transformação digital de PMEs na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), atua há mais de 25 anos com projetos de tecnologia, gestão e consultoria digital em diversos segmentos do mercado no Brasil e no exterior.
O agronegócio responde por quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. A agropecuária se trata, portanto, de uma das forças impulsionadoras da economia nacional, com altas taxas de produção e exportação e que, assim como diversos outros setores, vem sendo fortemente impactada pela tecnologia nos últimos anos, antes mesmo da chegada da pandemia de Covid-19.
Segundo
pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgada em
meados de 2020, 84% dos agricultores do país já utilizam ao menos uma
tecnologia digital como ferramenta para apoiar a produção.
Outro
dado que demonstra o potencial tecnológico da agropecuária brasileira se refere
às startups voltadas ao agronegócio, as chamadas agritechs ou agtechs.
O levantamento Radar Agtech Brasil 2020/2021, também elaborado pela Embrapa, em
conjunto com a SP Ventures e o Homo Ludens Research and Consulting,
mapeou quase 1,6 mil empresas do gênero ativas no país. Hoje, a média é de
abertura de uma agritech por dia no Brasil, conforme se divulgou no
evento Agritalks, promovido em fevereiro pela Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em Dubai. Sinais claros da cultura do
empreendedorismo incorporada ao campo.
Quando
se fala em tecnologia aplicada ao agronegócio, as possibilidades são inúmeras,
da simples consulta à previsão do tempo na Internet, pelo smartphone, ao uso de
drones para fertilização de precisão, passando pela irrigação automatizada,
pelas tecnologias embarcadas e de acionamento remoto por GPS. Sem, é claro,
esquecermo-nos de toda a temática da biotecnologia, da nanotecnologia, dos agribots,
dos biocombustíveis…
Ainda
há, contudo, desafios a serem superados. De acordo com o estudo da Embrapa,
Sebrae e Inpe, de 2020, por mais que os produtores rurais brasileiros se
mostrem abertos às inovações no âmbito digital, há barreiras que desestimulam
sua adoção, como o alto valor para a aquisição de equipamentos e
desenvolvimento de aplicativos e problemas estruturais, caso da qualidade – ou
ausência – de conexão nas áreas rurais do país.
Ademais,
precisamos ter em mente que a transformação digital vai além da mera adoção de
tecnologias e envolve uma mudança de cultura, bem como da humanização dos
processos. Se décadas atrás o que se imaginava do futuro era um completo
domínio dos robôs, a realidade se mostra diferente. É claro que as máquinas
ganham cada vez mais espaço, principalmente para automatizar funções e elevar a
produtividade, mas o fator humano ainda se mostra fundamental, em especial para
as tomadas de decisão.
Na
seara do agronegócio, também não podemos nos esquecer dos fatores ambientais,
sociais e de governança, visto que a transformação digital está estritamente
ligada à jornada de um negócio rumo ao ESG – que não se trata de um termo da
moda, pois chegou para ficar. Questões como redução nas emissões de gases de
efeito estufa (GEE), uso sustentável de recursos naturais e correto descarte de
resíduos devem caminhar ao lado de pontos como transparência, certificação de
origem de produtos, equidade salarial e de gênero e respeito às normas
trabalhistas e ambientais.
Igualmente,
precisamos nos questionar a respeito dos conselhos e respectivos conselheiros
das empresas ligadas ao campo. Eles estão preparados para debater as
tecnologias emergentes e seus impactos? E para refletirem sobre o fato de que o
cliente não é mais quem “paga a conta”, mesmo no meio rural? Será que os
colegiados estão olhando para o futuro com as lentes adequadas?
Importante
salientar, ainda, que tudo isso não está restrito apenas às tradicionais
companhias e cooperativas do agronegócio. Isso porque a agropecuária familiar é
uma das principais características do setor no Brasil. A última edição do Censo
Agropecuário, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em 2019, apontou que o país tem 3,8 milhões de propriedades rurais com
perfil familiar. O número corresponde a 77% dos 5 milhões totais. Assim, a
transformação digital deve contemplar dos grandes aos pequenos, que mais do que
cultivar insumos que abastecem o mundo, também têm que cultivar a mudança de
processos e de mentalidade.