O Brasil vive um momento único, ao longo da sua trajetória
econômica recente, configurando o ano de 2019 como um período de transição.
Esse ponto de inflexão reflete a retomada do crescimento econômico, o aumento
da confiança do consumidor e da indústria, a redução do risco país, a redução
dos níveis da taxa de juros e da inflação e, consequentemente, a recuperação do
mercado de capitais.
Neste contexto, é importante mencionar o papel do agronegócio
brasileiro, enquanto catalisador do crescimento econômico do País. Este setor
representou, em 2018, cerca de 21,1% do PIB nacional, ocasião que respondeu por
quase R$ 1,4 trilhões (CEPEA, 2019). Adicionalmente, contribuiu com a geração
de quase US$ 100 bilhões de divisas ao País, respondendo por 42% da pauta de
exportação. O Brasil agrícola é uma potência, sendo um dos principais players no mercado global de commodities
agrícolas, com destaque para açúcar, suco de laranja, proteína animal, milho e soja.
Essa expressividade da agroindústria brasileira foi pautada,
ao longo dos anos, pelos avanços tecnológicos, mudanças nos processos e na
infraestrutura. Espera-se que a evolução do setor se intensifique ainda mais
com as grandes oportunidades que se formarão nos próximos anos, principalmente,
relacionadas à tecnologia e como a mesma moldará a paisagem dos negócios
agrícolas.
Agricultura
Digital
Estamos na iminência de uma nova revolução: a Agricultura
Digital ou Agro Inteligência, na qual a ciência dos dados e o mundo digital
alavancarão a eficiência no campo, aumentando a produtividade e diminuindo a
utilização dos recursos naturais. Com o melhor monitoramento do tempo e uma
maior precisão nas práticas agrícolas, a tendência é a de que a produtividade
alcance novos patamares.
No momento atual, o agronegócio brasileiro, de forma similar
à economia brasileira, depara-se com um momento decisivo. No entanto, o sucesso
que nos trouxe até aqui não será o mesmo para o novo ciclo, cabendo a superação
de uma série de desafios.
Apesar dos enormes avanços tecnológicos, os desafios para o
agronegócio brasileiro envolvem, substancialmente, três pilares. O primeiro
envolve a agregação de valor e diversificação, de forma a responder às
expectativas de uma sociedade cada vez mais exigente, bem como atender aos
mercados mais sofisticados, competitivos e rentáveis.
O segundo compreende a intensificação da produção de forma
segura, considerando alguns aspectos, tais como, elevação da produtividade e da
qualidade com tecnologias de baixo impacto e redução das emissões de gases de
efeito estufa. O terceiro se relaciona à gestão dos riscos inerentes à
atividade econômica em questão.
O agronegócio, além de estar sujeito ao risco sistêmico –
isto é, comum a toda economia brasileira – apresenta uma gama considerável de
riscos específicos. É justamente sobre esse último grupo que o setor deve
dispender esforços para mitigação.
Mitigação
de riscos
Esse processo de mitigação passa pelo entendimento do
próprio conceito de risco. Qualquer evento incerto que possa impactar um
negócio e ao qual é associada uma probabilidade de ocorrência, é considerado um
fator de risco. Entende-se, portanto, o risco como incerteza.
É fácil notar que o agronegócio está sujeito a fatores de
risco das mais variadas fontes, tanto sistêmicas quanto relacionadas aos
fatores climáticos, agronômicos, de mercado (oferta e demanda de commodities) e
de liquidez.
A sustentabilidade do setor está intrinsecamente relacionada
à previsibilidade de rentabilidade. São as perspectivas de custos, produção,
receitas e fontes de financiamento que pautam as tomadas de decisões do
negócio. E, nesse sentido, a atenuação do risco se faz necessária. A forma de
implementação da tão almejada mitigação de risco é por meio do serviço de
gestão de risco, cujas etapas passam pela identificação, classificação,
avaliação, tratamento dos riscos e monitoramento das soluções. Tais etapas são
sistematizadas na Figura 1.
Figura 1: Etapas da gestão de riscos.
As
etapas
A primeira etapa compreende a identificação dos riscos
associados ao negócio. Isto é equivalente a identificar qualquer fator cujo
resultado será totalmente ou parcialmente incerto, independentemente da forma
de gestão dos recursos e qualquer boa prática que vier a se implementar na
empresa. Ou seja, de forma mais técnica, fatores de riscos são todos aqueles
cuja a ocorrência provém de um evento estocástico (ou aleatório).
A segunda etapa consiste na classificação dos riscos
identificados para melhor avaliar seus impactos para o negócio e as possíveis
soluções de gerenciamento. No agronegócio, podemos agrupar os riscos dentre as
seguintes categorias: Riscos Operacionais, Agronômicos, de Mercado, Financeiros
e Institucionais.
Os Riscos Operacionais são aqueles ligados ao processo
produtivo e consequência da forma de gestão da empresa. Tais incertezas podem
ser exemplificadas por perdas no processo produtivo – decorrentes, por exemplo,
de falhas no plantio e colheita – acidentes no trabalho, problemas mecânicos em
maquinários, entre outros.
Riscos Agronômicos são a exclusividade do agronegócio. Estes
são os mais difíceis de prever e controlar os efeitos. Essas incertezas
consistem em eventos físicos e biológicos, que se traduzem em riscos climáticos
e fitopatológicos que podem vir a prejudicar as condições de cultivo das
culturas agrícolas e reduzir a produtividade das lavouras.
É importante destacar, no entanto, que o termo risco não se
refere a uma possível condição desfavorável para um processo, mas simplesmente
a incerteza quanto ao seu resultado. Desta forma, eventos climáticos, por
exemplo, podem trazer ganhos de produtividade para culturas e ainda sim ser
classificados como riscos.
Os Riscos de Mercado, por sua vez, são aqueles associados à
flutuação dos preços (decorrentes de variação na oferta e demanda de
commodities) e outras variáveis econômicas que impactam, concomitantemente, os
custos e as receitas dos negócios. Tais variáveis incluem, dentre outras, a
taxa de juros, a taxa de câmbio e o crescimento da renda.
As incertezas enquadradas no grupo de risco de mercado têm
impacto direto na categoria de Riscos Financeiros, em especial no que tange à
imprevisibilidade da taxa de câmbio. Esta última categoria de riscos – os
financeiros – está relacionada à estrutura de capital e alavancagem (que
determina a sensibilidade da dívida da empresa em relação às condições de
mercado), ao desempenho operacional e à liquidez.
Os Riscos Institucionais estão relacionados às alterações
nas legislações, políticas fiscais, tarifárias e de juros, restrições
ambientais, normas sanitárias e práticas de organismos internacionais de
regulação (como a Organização Mundial do Comércio) e que podem impactar no
agronegócio. Na prática, os riscos podem se manifestar como criação de novos
tributos ou de leis ambientais restritivas, sanções de órgãos internacionais de
regulação, represálias de países importadores, entre outros.
Avaliação
dos riscos
Após a classificação das incertezas, segue-se para a
avaliação dos riscos. Nesta etapa, o que se busca fazer é avaliar os possíveis
impactos das variáveis incertas nas diferentes dimensões de um negócio, por
exemplo, reputação da companhia, resultados financeiros, bem-estar social dos
funcionários, entre outros.
Essa etapa deve levar a priorização de esforços para a
gestão daqueles riscos com maior probabilidade de impacto negativo à empresa. A
avaliação pode ser conduzida utilizando ferramentas qualitativas, como análise
SWOT ou 5W2H, como também técnicas quantitativas baseadas em probabilidades e
métodos estatísticos.
A última etapa compreende o tratamento dos riscos. Dada a
ordem de prioridades, determinada na etapa anterior, duas principais perguntas
devem ser respondidas: (I) Quais as formas possíveis de gestão deste risco?; (II)
Qual o custo de implementação e monitoramento desse mecanismo de gerenciamento?
Tão importante quanto avaliar o efeito de uma variável
incerta é estimar o custo de gerenciamento para minimização dos seus impactos.
A priorização inicial deve ser alterada, caso se perceba que o custo de
gerenciamento supera o retorno esperado do controle do risco. Portanto, a
fórmula final é simples: priorize gerenciar os riscos com maior impacto para o negócio,
cujo mecanismo de controle seja o mais barato possível.
Claro que, na prática, nada é tão simples. É necessário,
muitas vezes, conhecimentos técnicos e da dinâmica do negócio para que a melhor
decisão seja tomada. No agronegócio, diversas ferramentas e tecnologias vêm
sendo aplicadas para gestão das variáveis incertas que afetam desde o cultivo
até a comercialização dos produtos agrícolas.
Agro
Dados
De forma geral, a efetividade do uso dessas ferramentas está
associada à eficácia na coleta de dados em alta frequência e capacidade de
analisá-los extraindo informações relevantes quanto ao estado atual de um
mercado, processo produtivo ou evento climático, por exemplo.
Termos como Business Intelligence e Big Data têm se tornado
cada vez mais populares por serem capazes de extrair dos dados conteúdo capaz
de dimensionar os riscos associados a operações dos negócios agrícolas.
Pensando na classificação exposta anteriormente, temos, por
exemplo, contratos futuros, opções, contratos a termo, swaps cambiais e outros
instrumentos financeiros capazes de dirimir os riscos de mercado presentes na
etapa de comercialização. Tais mecanismos atuam na fixação efetiva de preços
(como nos mercados futuros e a termo) e no hedge cambial (como no swap).
No que tange as operações de financiamento do setor, a
expansão do mercado de títulos do agronegócio (como CPR, CDCA, LCA e CRA)
aumenta as alternativas de captação de crédito do setor e provocam,
consequentemente, a potencial diminuição do custo e/ou alongamento da dívida
das companhias do setor. Da mesma forma, o gerenciamento dos custos de produção
é essencial para mitigação dos riscos financeiros.
Quanto aos riscos operacionais, a forma mais eficiente de
reduzi-los consiste na boa gestão interna dos processos produtivos, desde
políticas de segurança para atuação dos funcionários e manutenção preventiva de
maquinários até o uso de ferramentas de análise de dados para monitoramento da
qualidade e eficiência dos processos produtivos.
No entanto, são os riscos agronômicos que o setor do
agronegócio tem sido pioneiro na proposição de soluções cada vez mais
inovadoras e apoiadas intensivamente no uso de tecnologias. O gerenciamento do
risco agronômico abrange desde técnicas tradicionais de rotação e
diversificação de culturas até o uso de equipamentos de monitoramento,
agricultura de precisão e desenvolvimento genético de plantas mais resistentes
às condições edafoclimáticas não favoráveis.
Tem-se, hoje, o uso de sistemas que permitem o
acompanhamento em tempo real das condições químicas e físicas na lavoura por
meio de aplicativos de smartphones, o uso de drones para aplicação de insumos e
manejo de plantas daninhas, o uso de algoritmos complexos para previsão de
condições climáticas, e diversas outras ferramentas que permitem mensurar as
condições de solo, clima e da própria planta em prol de uma tomada de decisão
mais assertiva.
Em última instância, outro mecanismo de proteção de risco
pode ser utilizado: o seguro rural. Apesar de um meio de atenuar o impacto das
adversidades climáticas sobre a rentabilidade do negócio por meio de
indenizações, ainda não é uma prática amplamente disseminada no mercado
brasileiro.
Após selecionada a melhor forma de gerenciamento dessas
incertezas, o monitoramento dos resultados e a busca por melhores soluções
garantem a continuidade do processo de gestão dos riscos.
Soluções
Vê-se, hoje, no agronegócio, uma infinidade de soluções que
buscam dirimir os impactos das variáveis de natureza incerta que atingem esse
setor. O planejamento e seleção das melhores formas de gestão são fundamentais
para garantir desde a segurança da performance financeira das empresas até a
segurança em seus processos e integridade física dos seus colaboradores.
Essas ferramentas têm usado cada vez mais da tecnologia para
auxiliar a tomada de decisão relativa a todas as categorias de risco às quais o
agronegócio está exposto.
Agro – Sem gestão correta, a riqueza do Brasil corre riscos
Roberto Rodrigues
Especialista em
Turnaround; palestrante: ‘Gestão Baseada em Valor; Faça Certo para Dar Certo;
Vitrine – Você Visto Diferente’; professor da Fundação Getúlio Vargas e FIA –
Fundação Instituto de Administração – SP; pesquisador da FIA – SP: “Gestão de
Riscos Corporativos no Setor de Agronegócio”; ex-Gestor Estratégico (Grupo
Bradesco) e coautor do livro “Consultoria Empresarial”, pela editora SER MAIS,
ed. 2013; doutorando em Administração de Empresas – FGV – São Paulo; diretor e
consultor – R. R. Life Consulting & Business
(34) 2589.6289 /
99146.5976 roberto@rrlifeconsultoria.com.br
A Embrapa traz uma informação bastante importante e
promissora para os negócios agropecuários no Brasil e no mundo: uma pesquisa
denominada “Os desafios para 2030 – O Futuro da Agricultura Brasileira” destaca
discussões e previsões quanto ao desenvolvimento do setor e sobre o
comportamento do consumo humano mundial, no qual, por exemplo, é citado que
haverá um aumento na demanda de alimentos em 35%, enquanto a água será de 50% e
a energia 40%.
Se não houver avanços e pesquisas para atender a essa
crescente demanda de maneira sustentável, em acordo com os padrões desejáveis,
como a integração dos processos lavoura-pecuária-floresta (ILPF), obviamente o
mundo passará por dificuldades e escassez extremas.
Além disso, do ponto de vista econômico, o papel do
agronegócio exercerá grande importância para os negócios (famílias e empresas),
pois tanto a geração de renda quanto de empregos e diversos avanços previstos
farão com que haja inúmeras transformações no meio rural e urbano.
O
que fazer?
A convivência com certos riscos nas organizações
empresariais sempre foi uma realidade, embora seja observado que nem todas elas
consideram os riscos como fatores críticos de negócios e que até mesmo
influencie no seu próprio (in)sucesso. Também é visto que algumas empresas não
os tratam, em suas atividades, de maneira consciente; já que se pode considerar
que eles são parte integrante do cotidiano corporativo. Aliás, por vezes
observa-se o contrário, pois a associação de risco aos negócios não é tida como
desejável por alguns empreendedores e gestores.
No entanto, quanto à presença de riscos corporativos, é fato
que, dentre os setores econômicos há um, bastante específico, cuja convivência
e exposição ao risco é considerada acima dos patamares normais ou desejáveis se
comparado aos demais: o setor de agronegócio. Nele, são realizadas as
atividades agropecuárias que produzem alimentos, roupas, remédios, defensivos
agrícolas e outras diversas soluções visando atender às necessidades humanas e
animais, por meio das propriedades rurais e indústrias de transformação de
alimentos.
Esse setor ainda é composto por empresas que desenvolvem
atividades voltadas à comercialização e distribuição de tudo aquilo que é
produzido, por meio dos modais logísticos e das revendas comerciais.
Ainda como forma indissociável aos negócios agropecuários,
existem diversas categorias de empresas cuja função é prover soluções
(financeiras, consultorias técnicas, pesquisas, tecnologia, intermediações de
transações comerciais, câmbio, jurídicas, contábeis e tributárias, precisão
operacional, entre tantas outras), as quais compõem um segmento intermediário
na cadeia do agro, como também é chamado.
A
realidade agrícola
No setor do agronegócio brasileiro, tanto as empresas como
os produtores rurais convivem com praticamente todos os riscos que são
acometidos nos demais setores econômicos, contudo, ainda vivenciam os riscos
considerados exclusivamente endêmicos: clima, preços de commodities, variação
do câmbio, ciclo de doenças e pragas nas plantas e solo, etc.; mas também os
riscos de seu próprio mercado e os riscos internos, os quais possuem
características marcantes (Moreira, 2009).
Esse outro autor qualifica o setor, quando descreve que o
setor “agro” brasileiro se destaca por conviver com vários riscos, porém, ainda
tem conseguido destacar-se no mercado e na economia brasileira por possuir
gestores empresariais e produtores rurais de perfis com características de
admirável resiliência (Rodrigues, 2002).
De fato, os resultados produzidos pelos empreendedores do
setor de agronegócio brasileiro têm dado demonstrações de grande relevância
para o País, pois a agroindústria brasileira vem contribuindo de maneira significativa
junto aos indicadores econômicos:
9 Na produção agroindustrial em 2018 (toda a
cadeia produtiva do setor) o Valor Bruto da Produção (VBP) sinalizava, em
meados do segundo semestre, forte tendência de aumentar e atingir cerca de R$
559,6 bilhões, sendo 6% de aumento no setor agrícola e 9% na pecuária (Neves,
2018).
9 Quanto ao PIB (Produto Interno Bruto), o
setor vem representando mais de 20% da riqueza gerada no Brasil há mais de duas
décadas seguidas (Cepea/Esalq/USP, 2017).
9 Já a BC (Balança Comercial), as exportações
brasileiras de grãos, carnes, ovos, couros e outros produtos derivados da
agroindústria representaram (até junho de 2018) mais de 45% de toda receita
gerada, atingindo valor acima de U$ 56,4 bilhões (MAPA, 2018). Tanto que até outubro
de 2018 o superávit da BC foi de US$ 7,29 bilhões, tendo evoluído 5,9% em
relação ao mesmo período de 2017.
9 O setor emprega acima de 18 milhões de
empregos no Brasil, segundo Cepea/Esalq/USP (2018).
Obstáculos
Apesar dos resultados positivos, o setor do agronegócio tem
convivido com diversos problemas e riscos, pois suas atividades e resultados
trazem, praticamente ao mesmo tempo, oportunidades e ameaças, as quais
necessitam ser gerenciadas e os riscos mitigados.
Nos tempos atuais, sobretudo devido ao fenômeno da
globalização, algumas circunstâncias apresentam-se como potenciais fatores que
podem favorecer ao surgimento de alguns riscos corporativos e/ou
intensificá-los, principalmente no setor de agronegócio. Quase que
indissociavelmente, o IOT (internet das coisas) e o crescente uso de
tecnologias para facilitar a industrialização e as transações dos negócios
empresariais, as questões político-econômico-financeiras e, ainda, as questões
socioambientais (bastante consideradas no atual momento): são alguns dos
fatores que vêm provocando grandes transformações no cotidiano das empresas,
sob a forma de elementos influenciadores que geram oportunidades e que também
abrem espaço para a ocorrência de possíveis problemas organizacionais,
configurando-se, portanto, fatores de risco.
Sem
evolução
Ainda que o potencial do agronegócio brasileiro se mostre
abundante do ponto de vista financeiro, econômico, social e tecnológico, muitos
produtores e empresas do setor continuam mantendo como critério de gestão
algumas das práticas que utilizadas a quase há 20 anos, o que é lastimável,
visto que o setor evoluiu, mas as técnicas de gestão administrativa e
financeira ainda estão sofrendo uma transformação lenta em relação à evolução
tecnológica (operacional e de técnicas de plantio).
De acordo com dados do relatório produzido pela Embrapa, o
crescimento constante da população brasileira e mundial empurra a demanda por
alimentos. Alguns países europeus, por exemplo, já utilizam de 40 a 50% do solo
possível para agricultura, e produzem muito menos que o Brasil, enquanto aqui
utilizamos de 7 a 8% da área agricultável e já somos referência mundial, o que
nos torna o grande celeiro do mundo.
Sabe-se que o empreendedor que atua no setor do agronegócio,
sobretudo o produtor rural, mas não somente ele, é bastante ativo, as vezes
ousado, resiliente e de uma fé exemplar, pois todos os anos ele realiza grandes
investimentos, desde o preparo do solo à semente, na expectativa de realizar
ótimas colheitas, apesar de nem sempre as condições se apresentarem favoráveis.
O fato é que as decisões tomadas no campo afetam,
consequentemente, os demais elos do setor de agronegócio. Essa reflexão ganha
força à medida que as aleatórias ocorrências de riscos no setor de agronegócio
se apresentam como fatores críticos aos negócios, podendo emergir e,
evolutivamente, influenciar as empresas a adotarem mecanismos cada vez mais
criativos e eficazes para se protegerem dos possíveis riscos corporativos, ou
aceitá-los e assumi-los.
Quase sempre os gestores (empresários e agricultores) tomam
muitas decisões sozinhos, sejam elas sobre plantios, aquisições de insumos,
busca por melhores preços, compras de máquinas e produtos, formas e momentos de
vender, contratações de pessoal, investimentos, etc.
Por todas essas observações, dar atenção à necessidade de se
promover a gestão sobre os riscos corporativos no setor do agronegócio torna-se
um fator inquestionável. Conclusivamente, as empresas do setor agropecuário
necessitam cada vez mais empregar meios de melhorar sua gestão e atuações,
sejam relacionadas ao correto e necessário uso do conhecimento e informações,
seja estimulando a criatividade e inovação como forma de superação dos desafios
organizacionais. Esses mecanismos podem auxiliar na gestão dos riscos de uma
maneira geral, sobretudo nesse setor onde as atividades e operações obedecem a
um ciclo ordenado e repetitivo de ocorrências (safras e entressafras), as quais
repercutem em todos os elos de negócios e segmentos do setor (primário,
secundário e terciário).
Ciclo
de vida organizacional das empresas
Levando em consideração o chamado CVO (Ciclo de Vida
Organizacional das empresas), acredita-se que vão existir momentos em que as
empresas podem ser potencialmente acometidas e ficarão naturalmente mais
expostas aos riscos corporativos.
Isso porque os diferentes estágios de sobrevivência de uma
empresa (surgimento, desenvolvimento e maturidade) possibilitam, e até
favorecem, a ocorrência de crises organizacionais. Tais estágios são precedidos
por diversas crises, trazendo riscos, consequentemente.
Tenho um cliente que atualmente planta 27 mil hectares, a
qual lhe rendeu uma receita, no ano passado, de R$ 110 milhões, nas duas safras
de sequeiro. Se ele fosse um produtor que tivesse tecnificado, que investisse
em irrigação, possivelmente ele teria uma safra a mais ou uma produção melhor,
o que alavancaria a receita para perto de R$ 150 milhões, resultado compatível
com uma empresa classificada como corporate.
A diferença do agricultor para as empresas corporativas está
na mitigação de riscos, que neste último caso trabalham com departamentos e
vários funcionários envolvidos, os quais avaliam todas as variáveis, para só
então partirem para a discussão da melhor decisão. Já no caso do agricultor,
ele decide sozinho o que fazer, e muitas vezes usa apenas a intuição, sem levar
em conta os demais fatores mais agressivos para o agronegócio, algumas vezes
também com desconhecimento e despreparação dos administradores da fazenda.
Tais crises podem surgir em decorrência de ameaças trazidas
pelo mercado do qual se faz parte, mas também podem ser ocasionadas por razões
intrinsicamente particulares, como a ineficiência operacional ou a baixa
efetividade na gestão. Assim, as fases do ciclo de vida útil das empresas desafiam
todas elas a superarem suas adversidades, mas também a desenvolverem-se.
No setor do agronegócio, especificamente, os riscos são
considerados fatores marcantes, já que as incertezas estão relacionadas às
diversas ocorrências, como os riscos de produção (pragas, clima, etc.), risco
de preço/mercado (variação de preço, oferta e demanda), risco institucional
(ações político-econômicas) e risco humano/pessoal (acidentes, doenças, etc.).
Mas há ainda os riscos ambientais (contaminações de solo,
água, pessoas devido ao uso de agrotóxicos), surgimento de normativas
burocráticas (necessidades de novos certificados, licenças, outorgas, etc.).
Nesse sentido, cumpre às empresas e seus gestores
atentarem-se aos possíveis riscos trazidos durante as diferentes fases e
estágios nos quais se encontram, já que elas ocorrem em formatos cíclicos,
durante todo o ciclo de vida útil da atividade.
Os riscos corporativos envolvem quatro categorias mais
emblemáticas:
Ü Risco de mercado: questões políticas, oferta e
demanda, influência do clima global nas produções e nos preços,
Ü Risco de liquidez: falta
de recursos financeiros para compor suas atividades, ou escassez do fluxo de
caixa, obrigando-os a buscar recursos mais caros;
Ü Risco financeiro: oscilação do dólar, variação da
bolsa de valores, etc.;
Ü Risco legal: uso do agrotóxico, aplicabilidade,
dosagem, manuseio, descarte, sustentabilidade, etc.
Na
prática
Alguns agricultores podem produzir bem, com eficiência
operacional acima da média e bons números, mas não têm um resultado líquido
satisfatório, podendo até amargar prejuízos. Isso é resultado da ineficiência
administrativa. Volto a ressaltar que o risco é um fator do ponto de vista
administrativo e estratégico, ligado à gestão, e, portanto, deve ser analisado,
assim como o produtor já faz com as pragas, o clima e o solo. Vejo que muitos
procedimentos voltados à gestão de riscos já são tomados, mas são direcionados
para a questão operacional e nem tanto para a estratégica, o que ficou claro em
minhas pesquisas. Por isso, um dos caminhos para o sucesso, indiscutivelmente,
tem que considerar os outros riscos, entendê-los, conhecê-los, encará-los,
evitá-los (quando possível) e mitigá-los, até mesmo para utiliza-los a seu favor.
Onde
o produtor pode procurar ajuda?
A ajuda pode vir de diversos setores, como o acadêmico, a
iniciativa pública e privada, a exemplo das indústrias, cooperativas e
instituições financeiras, que apoiam e fomentam o agronegócio. São eles os três
segmentos do agronegócio, classificados como primário, secundário e terciário.
Para entender e tratar de forma mais profunda o tema, também
é necessário desmistificar alguns conceitos-chaves, os quais são considerados
fundamentais. Deste modo, verifica-se nos estudos e relatórios apresentados
pelo (TCU, 2018) e também no ambiente prático de negócios os seguintes
conceitos-chaves:
Ü Evento:
um incidente ou uma ocorrência de fontes internas ou externas à organização,
que podem impactar a realização de objetivos de modo negativo, positivo ou
ambos.
Ü Risco:
possibilidade de ocorrência de um evento que afete adversamente a realização de
objetivos.
Ü Oportunidade:
possibilidade de ocorrência de um evento que afete positivamente a realização
de objetivos.
Ü Risco inerente:
nível de risco antes da consideração de qualquer ação de mitigação.
Ü Risco
residual: nível de risco depois da consideração das ações adotadas pela
gestão (por exemplo, controles internos) para reduzir o risco inerente.
Ü Apetite a
risco: expressão ampla de quanto risco uma organização está disposta a
enfrentar para implementar sua estratégia, atingir seus objetivos e agregar
valor para as partes interessadas, no cumprimento de sua missão.
Ü Tolerância a
risco: nível de variação aceitável no desempenho em relação à meta para o
cumprimento de um objetivo específico, em nível tático ou operacional.
Uma vez identificadas essas questões conceituais, caberá,
portanto, decidir qual atitude deverá ou poderá ser tomada no âmbito da gestão.
Portanto, torna-se essencialmente um fator decisivo para que algumas
organizações empresariais possam desempenhar suas atividades operacionais,
táticas e estratégicas, de forma a superar os obstáculos trazidos por alguns
riscos, bem como, na presença deles, obter sucesso em suas jornadas.
Além disso, contribuir para que as organizações possam
aprimorar os seus conhecimentos e buscar por ferramentas de apoio à gestão
visando a mitigação dos riscos inerentes. Nessa linha de pensamento, tem-se que
para haver a identificação e posterior mitigação de alguns riscos será
necessário tomar decisões (em vários momentos) pautadas em elementos que vão de
encontro aos níveis de conhecimento dos gestores (decisores), à cultura
organizacional, aos aspectos temporais e outros aspectos relevantes.
O
pouco se transforma em muito
Os números decimais são tão grandes no agronegócio que se o
produtor melhorar de 1 a 2% líquido sobre o que ele produz, o resultado pode
ser astronômico financeiramente. Em termos isolados, se um produtor otimizar de
1 a 2% líquido sobre o que produz, garanto que em 10 anos ele terá recurso
suficiente para não depender mais de bancos ou pagar juros.
Um exemplo citado é o da região da Matopiba, que passou por
três anos de frustações de safra devido a questões climáticas, quase
inviabilizando a agricultura nas propriedades que dependiam de recursos de
terceiros para o pagamento com a safra.
Solução
Por fim, a gestão e os gestores das empresas agropecuárias
deverão propor iniciativas para a gestão dos riscos atinentes, com soluções
para todas as fases, ou, quando não for possível com os próprios recursos e
conhecimentos, deve-se buscar outras formas e oportunidades de auxílio no
mercado.
Nota-se, portanto, que paralelamente a cada fase e
respectivas crises ocorre o que o consultor designa como ‘crescimento’,
ocasionado pelas crises e oportunidades.
Dissertação de
mestrado
Roberto Rodrigues realizou sua dissertação de mestrado sobre
“Gestão de riscos corporativos no setor de agronegócio brasileiro: Um estudo
diante das fases do ciclo de vida organizacional” na FIA (Fundação Instituto de
Administração), em São Paulo (SP), considerada no Brasil e no mundo como uma
das melhores instituições de ensino corporativo ‘escola de negócios com vocação
na administração’.
A pesquisa feita por ele baseou-se nas observações de seu
trabalho diário, dedicado ao agronegócio. “Começando pelo conhecimento das dificuldades
e limitações do campo, quisemos explorar os riscos corporativos e nos
inspiramos em práticas que pudessem ser aplicadas à realidade rural, pois só
assim faria sentido ir em frente, sobretudo apresentando inovações ou
descobertas. Se, por um lado, o agronegócio é o setor mais representativo do
agronegócio, por outro, paradoxalmente, tem o menor número de profissionais
ligados diretamente à operação que detêm o conhecimento da necessidade de se
fazer uma boa gestão do negócio”, expõe.
Tanto a pesquisa da Embrapa, que faz uma prospecção para
2030, quanto a dissertação de Roberto concordam que o Brasil tem vocação para o
agronegócio, que por sua vez está tem dado sinais favoráveis para a economia
nacional e os envolvidos no meio rural.
Ainda, o novo governo tem demonstrado apoio à abertura de
negócios ao setor, sobretudo no exterior, o que é bastante favorável e
promissor para o Brasil nos próximos anos. Entretanto, alguns cuidados devem
ser observados, como a questão da gestão, em especial o uso da água, que,
segundo estudos, 60% dela é utilizada no meio agrícola, como a irrigação, o que
acende um alerta. “Para que não tenhamos surpresas no dia de amanhã, é
importante melhor sua eficiência produtiva”, pontua o especialista.
A eficiência financeira é outro ponto destacado por ele,
visto que os mecanismos existentes no País para beneficiar o produtor e tudo o
que envolve esse profissional precisam ser melhor adequados, com algumas
exceções. “Já vi muitos produtores realizarem uma operação financeira do mesmo
modo que se faz com uma empresa de tecnologia ou de atacado, por exemplo, o que
não é o ideal. O fluxo de caixa se comporta de outra forma, com características
próprias, como a sazonalidade das culturas de seis meses e um ano, enquanto nas
empresas comerciais o fluxo é mensal. Ou seja, se a receita rural não é
contínua, como seria possível assumir um compromisso X?”, indaga Roberto.
Já no quesito sustentabilidade, o produtor brasileiro sai à
frente. Pesquisa realizada pela BASF afirma que 80 a 90% das embalagens de
defensivos são devolvidas de forma correta, o que em outros países não acontece
nos mesmos patamares. O agrobusiness brasileiro também se destaca pela
resiliência, pois o produtor consegue driblar todas as dificuldades climáticas,
fitossanitárias, de crédito, e se reinventa a cada ano, abrindo áreas e
recomeçando cada vez que dá errado.
Por fim, ele diz, com certeza, que o futuro do agronegócio é
promissor, e merece o respeito de quem investe no setor. Entretanto, também
carece de cuidados, que podem ser vistos como oportunidades por quem sabe o que
está fazendo. “Assim, sejam ameaças ou oportunidades, ambas trarão
oportunidades para determinados profissionais ou empresas, de alguma forma,
desde que sejam olhadas de forma “macro” as eficiências operacionais e
administrativas, que serão determinantes para o resultado final”, conclui.