A Embrapa e o Fundo
de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) iniciam,
neste mês, um trabalho conjunto de investigação científica para quantificar os
estoques de carbono e identificar a fauna silvestre presente no cinturão
citrícola do estado de São Paulo e Minas Gerais (Sudoeste e Triângulo Mineiro),
o maior do mundo. O projeto recebe aporte de recursos da Innocent Drinks, após
ter sido selecionado pelo Fundo de Inovação para Agricultores da empresa, entre
propostas de diversos países. A iniciativa oferece recursos para projetos que
objetivam a redução de carbono na agricultura e inspiram agricultores a
adotarem boas práticas.
O trabalho
no cinturão citrícola fornecerá dados sobre estocagem de carbono no segmento,
de forma inédita, e envolverá tanto os pomares de laranja quanto as áreas
destinadas à vegetação nativa das propriedades rurais, em um território de
quase 600 mil hectares. Metodologias diferentes serão utilizadas para as áreas
de produção e de preservação. A primeira envolverá a pesagem de árvores, por
amostragem, para calcular a quantidade média de Carbono estocado em cada uma.
Elas serão pesadas no campo e depois secas, para, então, se chegar às
estimativas por planta, por hectare e para o cinturão citrícola.
À frente
dessa etapa do projeto, o pesquisador Carlos César Ronquim,
da Embrapa Territorial (SP),
já fez um pequeno levantamento com metodologia semelhante, em 2006, em
laranjais e cafezais paulistas. A expectativa, agora, é ampliar o trabalho e
ter dados condizentes com as mudanças de manejo que ocorreram no cultivo de
citros nos últimos 15 anos, como, por exemplo, o adensamento de árvores e o não
revolvimento do solo nos pomares. “Você aumentou a concentração de plantas,
então é muito mais carbono por hectare”, prevê o pesquisador.
Os dados do
Inventário de Árvores de 2021, feito pelo Fundecitrus, mostram que só a área de
produção propriamente dita, com os pomares de laranja, estende-se por mais de
400 mil hectares no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste
Mineiro. Com esse projeto, será possível conhecer melhor toda essa área,
explica o coordenador de Pesquisa de Estimativa da Safra do Fundecitrus,
Vinícius Trombin. “Iremos descobrir qual é o sequestro de carbono das
laranjeiras do cinturão e quanto carbono está fixado no solo e nas árvores
nativas que estão nas áreas de preservação dentro das fazendas de citros”,
completa.
Estoque
de carbono é indicador básico de qualidade ambiental
Plantas
estocam carbono em sua biomassa, à medida que capturam CO2 da atmosfera na
fotossíntese. Isso ocorre principalmente na fase de crescimento, mas continua
acontecendo, de forma menos intensa, mesmo depois da maturidade atingida.
“Existem pesquisas apontando isso, até mesmo na Amazônia: uma floresta perene,
bem madura, continua a sequestrar carbono”, conta o pesquisador da
Embrapa Lauro Nogueira Júnior.
O carbono
fica acumulado tanto no corpo da planta (tronco, galhos, folhas, flores,
frutos), quanto na matéria orgânica ainda não decomposta no chão (a
serapilheira), nas raízes e no solo. Esse estoque é um indicador básico de
qualidade ambiental utilizado em fóruns internacionais, como o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). O acompanhamento periódico
desse indicador aponta se uma área está sequestrando ou emitindo gás carbônico,
um dos principais geradores de efeito estufa.
Mapear,
estimar, precificar
Para as
áreas com vegetação nativa, já existem trabalhos consistentes que indicam a
quantidade de carbono em diferentes tipos de formação florestal e, por isso, não
será preciso fazer medição e pesagem de árvores. O trabalho da equipe começará
com a identificação, em imagens de satélite, do estado da vegetação nas áreas
de preservação do parque citrícola. Os dados desse levantamento serão cruzados
com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os tipos de
vegetação do Brasil.
Só então os
cálculos de estoque de carbono nas áreas de vegetação serão feitos. “Vamos
cruzar informações de uso e cobertura da terra, mapas do tipo de vegetação
disponibilizados pelo IBGE e dados secundários de carbono em diferentes tipos
de vegetação, tanto de Mata Atlântica quanto de Cerrado”, resume Nogueira, que
é líder do projeto.
Nas áreas
destinadas à preservação, pesquisadores levantarão também o valor monetário do carbono.
O objetivo é que esse indicador, somado a outros dados do trabalho completo,
sirva de parâmetro para programas de pagamento por serviços ambientais ou
ecossistêmicos. Nogueira diz que a ideia é criar as condições para que seja
reconhecido na citricultura, além do ativo econômico, o ativo ambiental. “Isso
pode gerar remuneração pelo serviço ambiental que a propriedade citrícola
presta ou se converter em moeda nas negociações por melhores preços no mercado
internacional, já que a demanda por produtos sustentáveis é crescente e
indicadores robustos podem estimular o consumo de suco de laranja entre os
consumidores mais sensíveis a esses fatores”, analisa.
Para o
gerente-geral do Fundecitrus, Juliano Ayres, o projeto reforçará a importância
da continuidade da adoção de boas práticas agrícolas. “Com os dados que serão
obtidos, ficará mais claro e palpável para o citricultor a dimensão do cultivo
de citros para o meio ambiente e a importância de que ele continue preservando,
até porque, como tudo está interligado, ele mesmo colherá os frutos disso
futuramente”, reforça.
Seguindo
pegadas
Além dos
estoques de carbono, a Embrapa e o Fundecitrus vão investigar como os sítios e
fazendas com produção de citros podem ser habitats para a fauna silvestre. “A
biodiversidade é um indicador de qualidade ambiental”, diz o pesquisador da
Embrapa José Roberto Miranda.
Ele vai coordenar o trabalho para identificar animais vertebrados, em especial
aves e mamíferos, que vivem em propriedades citrícolas.
Pegadas,
ninhos, tocas, pelos, penas e fezes. Esses serão os principais vestígios
buscados pelos pesquisadores. Miranda diz que, em algumas situações, estudar as
pegadas ou as fezes será suficiente para identificar o animal que as deixou.
“Os animais serão detectados e identificados, sobretudo, por meio da observação
direta em levantamentos de campo. O emprego de binóculos ajuda a ver detalhes e
permite identificar as espécies a distância”, acrescenta. As observações e
vestígios, assim como os relatos de quem trabalha nas propriedades, também
guiarão a instalação de câmeras para flagrar os bichos, principalmente os de
hábito noturno. “Primamos pelo uso de métodos não prejudiciais à fauna
silvestre e não destrutivos”, ressalta o pesquisador.
O primeiro
passo, também no estudo da fauna, será olhar para as imagens de satélite das
propriedades rurais com as quais a equipe trabalhará e fazer o mapeamento do
uso e cobertura da terra. Ele será importante, entre outros fatores, para equilibrar
os pontos de colocação de câmeras entre as áreas de produção e conservação.
Outro fator que será considerado é o comportamento da fauna nas diferentes
estações do ano, em especial pela variação de umidade e temperatura. Algumas
espécies ficam “entocadas” nos meses mais frios e secos, com escassez de
alimentos; outras têm movimentos migratórios. Então, será preciso estudar o
ambiente em diferentes períodos, ao longo de pelo menos um ano.
As aves são
o grupo de vertebrados terrestres mais abundante no mundo e a expectativa é que
seja o mais numeroso também entre os animais encontrados no estudo. Os
mamíferos, por sua vez, embora mais raros, dão indicativos importantes sobre a
diversidade da fauna local. A maior parte dos animais ameaçados de extinção pertencem
a esse grupo. Além disso, observar um indivíduo do grupo dos grandes carnívoros
indica a presença não só de sua espécie, mas de várias outras. “Não pode
existir uma onça, se não houver uma população de outros animais, sobretudo
mamíferos de menor porte, que lhe servem de alimento”, explica Miranda.
Operários
de plantio
A presença
da fauna traz benefícios para a propriedade de citros. As aves, por exemplo,
controlam a população de insetos, que são vetores de doenças para as
laranjeiras. Além disso, podem ser “operários de plantio” nas áreas de
vegetação nativa em processo de restauração e até mesmo para a manutenção
delas. Elas voam para diferentes ambientes e, ao se alimentar e defecar,
plantam novas árvores.
Assim como
na estocagem de carbono, o projeto deve publicar recomendações aos produtores
sobre como criar ambientes favoráveis à fauna silvestre. Uma das medidas pode
ser garantir, nas áreas de preservação, espécies atrativas para as aves.
“Ecologia é isso, a ciência da interação entre espécies e ambientes”, lembra
Miranda.
A pesquisa
sobre estocagem de carbono e presença da fauna deve se estender até junho de
2024. Os dados levantados ficarão disponíveis em uma plataforma online de acesso
público, com mapas, e serão objeto de artigos encaminhados a revistas
científicas. “Os resultados alcançados com o projeto serão públicos e poderão
ser utilizados por todos que se interessarem, mediante a citação da fonte”,
ressalta Trombin. Está prevista também a divulgação de recomendações aos
produtores sobre como aumentar a estocagem de carbono e criar ambientes
favoráveis para os animais. Os dados serão agrupados por região, sem
identificação de propriedades.
Região produz seis de cada
dez copos de suco de laranja consumido no mundo
O cinturão
citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste de Minas Gerais é a principal
região produtora de laranja para suco do planeta. De acordo com dados da
Markestrat, o setor movimenta cerca de US$ 14 bilhões por ano, que adicionam R$
2 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, somente com as
exportações. É responsável por 35% da produção mundial de laranja e 75% do
comércio internacional de suco da fruta – seis de cada dez copos da bebida
consumidos no planeta saem do cinturão citrícola brasileiro.
Nos últimos
30 anos, devido à melhor eficiência no controle de pragas e doenças, tratos
culturais e uso de tecnologia e adensamento, a produtividade média da região
mais que dobrou – passou de 330 caixas por hectare na safra 1988/1989 para 830
caixas, na média das últimas seis safras. A área plantada, por outro lado, diminuiu
40%.
Levantamento
realizado pelo Fundecitrus com base em metodologia desenvolvida pela Embrapa
quantificou também o território destinado a áreas de preservação permanente e
reserva legal, por exemplo. A cada 2,52 hectares de citros em São Paulo e Sudoeste/Triângulo
Mineiro, há um hectare dedicado à preservação da vegetação nativa, somando mais
de 180 mil hectares. Os números têm como base o mapeamento completo do cinturão
citrícola feito pelo Fundecitrus em 2017 e dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A
iniciativa para calcular os estoques de carbono e identificar a fauna deve
justamente ampliar o conhecimento sobre essa relação da cultura com o meio
ambiente. “Por meio desses dados, de forma quantitativa, queremos entender as
externalidades positivas advindas da citricultura. Sabemos o quanto a laranja é
importante pelos benefícios proporcionados à saúde. Reconhecemos a capacidade
ímpar dessa cadeia produtiva na geração de empregos e riqueza econômica para o
País. Agora, vamos ter dados relacionados à preservação ambiental, que é algo
muito evidente, mas que nunca foi medido com tamanha abrangência pela
citricultura e por nenhuma outra cadeia do agronegócio brasileiro”, reforça
Vinícius Trombin, do Fundecitrus.