O conceito de fazenda urbana descreve um modelo de negócio
que envolve o cultivo intenso e protegido de hortaliças, frutíferas, e em
alguns casos até a piscicultura em área urbana. O conceito foi formado por meio
de estudos científicos em microbiologia e segurança alimentar no final da
década de 1990.
Entretanto, o estabelecimento desta técnica começou a se
estabelecer a partir do ano de 2010, com representatividade em países de
economia desenvolvida, e estimulado por problemas como escassez de terras, como
no Japão e Cingapura, e por problemas de abastecimento alimentar provocados por
questões climáticas no Canadá e no leste europeu (Amaral, 2018).
Essencialmente, são duas as formas de produção agrícola
identificadas nas fazendas urbanas – produção horizontal e vertical. A produção
horizontal constitui-se da aplicação do método convencional, que faz uso de
solo em locais vazios urbanos, espaços públicos e privados, coberturas de
edifícios, em ambiente aberto ou protegido.
Por outro lado, a produção agrícola vertical faz uso de
técnicas com o objetivo de sobrepor a produção na mesma área, ou seja,
intensifica a produção por meio do uso do espaço aéreo sobre o solo (Amaral,
2018).
Grandes
empreendimentos
São vários os exemplos de agricultura urbana pelo mundo,
alguns inclusive se tornaram grandes empreendimentos. A primeira fazenda
vertical tropical foi implantada em Cingapura em 2012, chamada de Sky Greens,
um sistema patenteado composto de 38 linhas de plantio, com estrutura que
produz vegetais diversificados e que pode atingir até nove metros de altura.
Segundo a Agritecture (2017), as dez maiores empresas que
incentivam a expansão de fazendas verticais são: Freight Farms (EUA); AeroFarms
(EUA); BrightFarms (EUA), Edenwoeks (EUA); Detroit Dirt (EUA); SproutslO; Fujitsu
(Japão); Grove Labs; Garden Fresh Farms; e Growtainer (EUA), denominadas âncoras
no setor, em âmbito mundial.
Mais recentemente o tema começou a ser discutido no Brasil,
no meio acadêmico principalmente. Os principais aspectos incluem: os elevados
preços da terra; as vantagens e riscos da reutilização de águas e dejetos
urbanos; a segurança alimentar e os riscos de exposição a contaminantes
urbanos; a necessidade de adaptar e intensificar a produção em condições de
restrição de espaço; as oportunidades para as agroempresas acessarem os
mercados mais próximos, combinando múltiplas funções; a inclusão social; e a
necessidade de se envolver com regulamentações, políticas e planejamento
ambiental de maior complexidade e que têm, muitas vezes, um caráter intrusivo e
restritivo com relação à atividade (Dubbeling & de Zeeuw 2007).
Sustentabilidade
Por meio da sofisticação tecnológica, a forma de produção em
fazendas urbanas, via de regra, permite a utilização de 95% menos água do que a
produção agrícola no campo, e com potencial de rendimento em torno de 130 vezes
maior por metro quadrado anualmente (Aerofarms, 2015).
No Brasil, dificilmente se atingirá tal produtividade por
área com retorno financeiro, pois requer grande investimento na implantação e
em iluminação artificial. Por outro lado, em várias cidades há uma excelente
incidência de insolação natural, a qual deverá ser aproveitada para reduzir
custos.
No Brasil, o município com maior representatividade é São
Paulo (SP). São 441 unidades produtivas, nas quais atuam diretamente 1.271
pessoas (Avilaverde, 2016). Essa atividade é estimulada pelo programa de
agricultura urbana e periurbana, apresentada na Lei n° 13.727 de 2004, e no
decreto n° 51.801 de 2010, que estabelecem vários benefícios para produtores em
meio urbano, como a redução do IPTU e a prioridade na compra de produtos do
programa de abastecimento de instituições públicas, entre outros.
Mais
com menos
Esse novo modelo de produção caminha em paralelo com
inovações tecnológicas com grande quebra de paradigmas econômicos que ocorrem
no século XXI. Tecnologias como a robótica, inteligência artificial e
biotecnologia têm mudado a produtividade agrícola, entretanto, a inovação
tecnológica sem mercado é apenas uma boa ideia sem aplicação.
As fazendas urbanas buscam tornar mais eficiente a produção
agrícola protegida e adensada, pelo emprego de novas tecnologias (Amaral, 2018).
Para Despommier (2013), uma fazenda vertical equivalente a 1,0 ha e 30 andares
poderia fornecer alimentos para atender as necessidades de 10 mil pessoas.
Além da agricultura vertical fornecer alimento suficiente,
garante um ar mais fresco, gera empregos e reduz a extensão e a complexidade da
cadeia de abastecimento dos produtos, trazendo ao consumidor vegetais mais
frescos e sustentáveis, bem como essas se tornam belas paisagens
arquitetônicas.
Outro ponto que impulsiona esse tipo de negócio são as tecnologias
digitais, que aproximam fornecedores de consumidores e possibilitam a redução
do custo de logística, que torna o processo com maior automatização. Costa et
al. (2017) afirmam que as fazendas verticais localizadas em áreas urbanas
tornam a produção agrícola um sistema integrado, pois o alimento é cultivado,
transportado e consumido na própria área urbana, o que reduz emissões de
poluentes decorrentes do transporte dos alimentos, além do melhor
aproveitamento do espaço urbano.
Desafios
Há um crescente interesse entre pesquisadores, planejadores,
designers e empresas que desenvolvem infraestruturas pela agricultura vertical,
pois é uma alternativa inovadora e encaixa-se bem no conceito de economia verde
circular. Devido a esse alto nível de interesse, as estruturas, os projetos e
as tecnologias desenvolvem-se rapidamente (Schans et al. 2014).
Apesar desse interesse, são poucos os conceitos planejados e
executados, e ainda existem muitos desafios a serem superados, como o custo
relativamente elevado do investimento, em comparação com os alimentos
cultivados horizontalmente a céu aberto, pois os terrenos em área rural são
mais baratos quando comparados aos da área urbana.
Além disso, há também os custos com energia. Investimentos
maiores elevam os preços dos produtos, o que levanta questões críticas sobre a acessibilidade
social da produção e a rentabilidade desta (Schans et al. 2014).
Ainda são poucas as pesquisas relacionadas ao impacto
ambiental dessas construções e à necessidade de uso de energia para criar e
manter esses ambientes controlados. Provavelmente, para se alcançar os
potenciais benefícios ambientais existe a necessidade de utilizar fontes
alternativas de energias, como a energia solar, o que pode exigir investimentos
adicionais significativos.
Questões importantes ainda devem ser discutidas, como novas
formas de organização e abordagens para a gestão das instalações e do
zoneamento urbano devem ser desenvolvidas antes que a agricultura vertical
possa expandir como uma indústria integrada ao meio urbano.
Outro fato importante é a inclusão social da agricultura
vertical, pois como já é sabido, a tecnologia pode aumentar a oferta de
alimentos saudáveis e sua disponibilidade para residentes urbanos, bem como
reduzir preços, pelo menos em teoria (Schans et al. 2014).
Na prática, as abordagens de mercado high-end podem dominar, pois os investimentos precisam retornar aos
investidores. A agricultura vertical pode se favorecer de experiências de
outras indústrias, onde os negócios baseiam-se nem tanto na propriedade da
tecnologia, mas sim na sua utilização (Schans et al. 2014). Ou seja, nesse
cenário os empreendimentos de agricultura vertical poderiam ser conduzidos e
gerenciados por terceiros.
Viabilidade
Para que a agricultura vertical possa se tornar uma
realidade viável, ainda há a necessidade de se desenvolver modelos de negócios
organizacionais específicos, que podem variar desde iniciativas comerciais para
o mercado até iniciativas de empreendedores sociais que visam integrar o
sistema em abordagens mais comunitárias (Amaral, 2018). Modelos como esses, num
contexto de inovação, são assunto para um debate crescente.
A agricultura urbana, apesar de ser uma alternativa com
potencial produtivo e com boas perspectivas, exige compreensão da viabilidade
econômica, de acordo com a capacidade de geração de renda atrelada ao sistema
produtivo e ao ambiente. Ainda sem implantação significativa no Brasil, é
necessário compreender e analisar experiências em outros países, como exemplos
de fazendas verticais que estão consolidadas ao redor do mundo, especialmente
na Ásia, Rússia e EUA.
RETRANCA
BeGreen Boulevard
Arte agrícola sobre um shopping
A BeGreen Boulevard, localizada dentro do Boulevard
Shopping, em Belo Horizonte (MG), é uma dessas obras de arte que mudam o
cenário nas cidades. Com uma área produzida de 1.500 m², a ideia surgiu quando
Giuliano Bittencourt, visitou o projeto Agtech, do Massachusetts Institute of
Technology, e viu de perto uma tecnologia de altíssima qualidade para a produção
de hortaliças em espaços fechados. Pensando nesse modelo, ele decidiu adaptar à
realidade brasileira, com o uso de tecnologias mais acessíveis para uma criação
mais confiável e eficiente.
A BeGreen foi a primeira fazenda urbana no Brasil, considerando
uma área de produção de tal porte e a capacidade de gerar as próprias mudas do
processo produtivo dentro da área da fazenda. Atualmente, a produtividade da
fazenda é de 28 vezes mais por metro quadro que uma fazenda convencional,
dentre hortaliças, temperos e folhosas, além de microgreens.
Ricardo Mortara Batistic, engenheiro ambiental e CTO da
BeGreen, conta que lá são produzidas as alfaces Salanova, além de espinafre,
cebolinha, basilicão, dentre outras, que são cultivadas o ano inteiro, visto
que há a estufa que mantém as condições de temperatura, umidade e luminosidade
dentro dos parâmetros produtivos para que as plantas estejam na maior parte do
tempo em condições ideais.
Nada
convencional
Ricardo relata que a produção na fazenda urbana tange o que
se vê numa fazenda rural, porém, de formas totalmente não convencionais. “A
começar, plantamos em sistema de aquaponia, um sistema que mistura aquacultura
(produção de animais aquáticos, no nosso caso tilápias) e hidroponia (plantio
com o uso de água, e não de terra). Nossas mudas são todas produzidas na própria
fazenda, com o uso de um sistema de germinação que nos permite desenvolvê-las
até atingirem o estado de maturação suficiente para o transporte para o sistema
de produção principal”, detalha.
São muitos os benefícios da técnica, a começar pelo fato de
estar no meio da cidade, o que permite uma logística de transporte para os
restaurantes atendidos de poucos quilômetros, se comparado com a distância das fazendas
rurais, reduzindo muito o desperdício de alimentos pela cadeia de transporte e
os impactos ambientais da atividade.
Além disso, por produzir em aquaponia, reduz-se em até 90% o
uso da água para a produção de alimentos, além do controle de produção maior e
com mais tecnologia, o que garante mais eficiência de produção.
Contra
pragas e doenças
Na BeGreen são usados produtos certificados para a
agricultura orgânica no combate às pragas, como o óleo de neem, bactérias que
combatem fungos, fungos que combatem fungos, mas não prejudicam as plantas ou
os consumidores, e outros produtos de semelhante função. “A boa colheita é
feita com o acompanhamento criterioso de todas as atividades que permeiam o
ciclo produtivo das plantas, com resolução de problemas da forma mais rápida
possível, além de usar os melhores insumos e fazer o controle de qualidade da
água utilizada”, afirma Ricardo.
Quando questionado sobre a aposta no empreendimento, ele
responde que é preciso pesquisar muito antes de começar qualquer atividade: “não
existe uma fórmula mágica que dê certo para todos. Conheça o mercado, verifique
as possibilidades e se certifique que a atividade é realmente o que você
gostaria de fazer, com empenho e afinco. Seja hobby ou atividade comercial, a
agricultura urbana também exige tantos ou mais cuidados que aqueles observados
nos campos, e caso não exista o empenho necessário, a produção tende a ter resultados
provavelmente não agradáveis”, alerta.
RETRANCA 2
Fazenda Urbana Brasil
A primeira em ambiente controlado da América do Sul
A Fazenda Urbana Brasil, localizada no Rio de Janeiro (RJ),
apostou nos microverdes em cinco níveis de produção dentro de um container
marítimo. A colheita acontece duas vezes por semana, 52 semanas por ano.
Rodrigo Meyer, Glaucio Genuncio e Thomas Oberlin são os
fundadores, e contam que trabalham com o sistema SmartFarm de ambiente
controlado, possibilitando produzir até 40 mil unidades por mês dentro de um
container marítimo de 12 metros. “Cada container pode gerar mais de R$ 400 mil
por mês em receita”, revelam.
Atualmente, são cultivadas mais de 30 tipos de plantas, e
são comercializados regularmente 15 produtos, incluindo: golden onion,
alho-poró, pink flamingos, rúcula, couve-manteiga, purple kohlrabi, pepper
cress, summer cress, repolho roxo, mostarda, rabanete, cenoura e várias
misturas.
“Nunca há um momento ruim para plantar na Fazenda Urbana em
ambiente controlado. Este é o segredo do sistema que desenvolvemos. Nós
controlamos a temperatura, umidade, luz, água e tudo que poderia afetar a vida
dos microverdes. Assim, todo dia é um dia perfeito para plantar e colher. Como
operamos dois ciclos de colheita por semana, temos um processo de produção
altamente coordenado. E como somos a primeira fazenda vertical de ambiente
controlado da América do Sul que se concentra em microverdes, desenvolvemos
ferramentas e processos proprietários. Essas ferramentas e processos reduziram
muito nossa dependência do trabalho manual. Além disso, como nós dois
(sócio-fundadores) temos experiência no setor de TI, aplicamos a tecnologia IOT
e usamos coleta de dados e análise de dados para otimizar nossa produção”,
conta Rodrigo Meyer.
Sem
perdas
Mais de 35% das frutas e legumes são perdidos no transporte
da fazenda para o mercado. Longas distâncias com transportes nem sempre
refrigerados em um clima quente e úmido em grande parte do Brasil são
responsáveis por grande parte dessa perda.
A Fazenda Urbana Brasil reduz essas perdas produzindo
alimentos perto do consumidor. Além disso, produção próxima ao consumidor é
igual a alimentos mais frescos, com menos desperdícios e maior valor
nutricional.
A Fazenda Urbana Brasil não tem problemas com pragas e
doenças e utiliza sementes sem defensivos. “As sementes são lavadas e depois
plantadas em substrato natural esterilizado. E nós germinamos e produzimos em
um ambiente totalmente controlado. Usamos água purificada. Sem agrotóxicos, sem
fertilizantes, portanto, nossos produtos são mais limpos que os certificados
orgânicos. E também são 100% veganos”, orgulha-se Thomas Oberlin.
Ainda segundo ele, para se arriscar nesse negócio é preciso,
primeiro, considerar a disponibilidade de alimentos frescos na região, os tipos
de cultivos, preços e demandas. “Quem é o consumidor? Depois deve-se escolher
uma área com disponibilidade de água de boa qualidade e energia. Com isso,
deve-se definir o tipo de manejo, que pode ser convencional, orgânico,
hidropônico (para atender demandas específicas do mercado consumidor vegano) e
outros. Conseguir bons relacionamentos com fornecedores é essencial, como produtores
e fornecedores de sementes sem agrotóxicos, que apesar de mais caras, valem o
investimento. Finalmente, o entendimento e implementação da rede de
distribuição na sua região ou cidade é um ponto que pode tornar a fazenda
lucrativa ou não”, ensina.
Tecnologia
avançada
A Fazenda Urbana Brasil usa um processo e sistemas
inovadores para cultivar os microverdes MightyGreens perto de grandes centros
populacionais. Começou no Rio de Janeiro e agora está expandindo para São
Paulo. Suas fazendas são configuradas para que possam ser monitoradas e
controladas remotamente, reduzindo o custo de mão de obra e as perdas de
produção. “Como controlamos completamente o ambiente de produção, nunca
precisamos usar nenhum agrotóxico”, conta Rodrigo Meyer.
BOX
Tecnologia do começo
ao fim
MightyGreensTM é uma marca da Fazenda Urbana
Brasil, a primeira empresa com uma fazenda vertical de Agricultura em Ambiente
Controlado (CEA) no Brasil. A CEA é uma abordagem baseada em tecnologia para a
produção de alimentos, e tem por objetivo proporcionar proteção e manter
condições ideais de crescimento ao longo do desenvolvimento da cultura.
A produção ocorre dentro de uma estrutura fechada. As
plantas são cultivadas usando métodos hidropônicos ou aeropônicos para fornecer
quantidades adequadas de água e nutrientes para a zona da raiz. A CEA otimiza o
uso de recursos como água, energia, espaço, capital e mão de obra.
A Fazenda Urbana
Brasil produz em contêineres marítimos convertidos com tecnologia de última
geração. Cada um pode produzir a mesma quantidade de vegetais que 0,4 ha de
terra. Os contêineres contam com sensores e tecnologia para controlar luzes,
temperatura, umidade relativa, bombas e nutrientes. Com o controle preciso, as
plantas podem crescer rapidamente, sem pesticidas, insetos, poluição e doenças,
sendo melhores que os orgânicos.