O
projeto mobilizou 400 pesquisadores e 120 instituições em 10 anos
O Projeto Biomas nasceu da compreensão de que a árvore pode
e deve ser utilizada na propriedade rural para atender às múltiplas
necessidades do produtor rural e às demandas da natureza. O Brasil é um país
continental com imensa e reconhecida biodiversidade pouco explorada e pouco
conhecida e uma legislação ambiental avançada, que visa garantir que o país se
mantenha como um importante expoente mundial em termos de produção
agropecuária, aliada à conservação ambiental.
Por isso, o Projeto traz respostas a duas questões: como
intensificar o uso da árvore na propriedade rural e como adequar a propriedade
rural às exigências e regras da legislação ambiental que estabelece regras
específicas para o uso de Áreas de Preservação Permanente (APPs); Áreas de
Reserva Legal (ARLs); e Áreas de Uso Alternativo (AUAs).
Para chegar a essas respostas, em todos os seis biomas
brasileiros foram escolhidas propriedades rurais nas quais foram implantados
experimentos propostos por uma rede de mais de 400 pesquisadores de centenas de
instituições de pesquisa e ensino.
Os resultados das pesquisas denotam a necessidade de se
observar as especificidades de cada bioma: enquanto na Amazônia plantios
florestais são promissores, em algumas áreas campestres do Pampa atenção deve
ser dada ao componente herbáceo.
Já no Bioma Mata Atlântica o volume de chuvas anual
permitiria a exploração de culturas durante praticamente todo o ano, e no Bioma
Caatinga a lógica de exploração em uma curta janela de chuvas impede que se
possa adotar os mesmos procedimentos. Há, enfim, alternativas técnicas para
cada condição ambiental.
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Esta foi uma particularidade do Projeto Biomas: observar
como a diversidade de condições ambientais deve ser considerada quando os
objetivos incluem a conservação dos recursos naturais. Considerar a diversidade
de opiniões também é outro ponto importante do Projeto.
Provocar um profundo diálogo entre o setor agropecuário e os
ambientalistas, discutindo caminhos alternativos e que pudessem balancear mais
adequadamente os interesses de ambos os setores é uma de suas grandes
vertentes.
Longe de esgotar o tema, o Projeto Biomas desenvolveu, ao
longo de seus dez anos de execução, a exposição de alternativas de manejo da
flora nativa em sistemas de produção, ou mesmo em sistemas voltados à
restauração. Esta é uma pequena contribuição diante do enorme desafio que a
produção sustentável tem a enfrentar.
O que se viu
Após uma década em execução, o Projeto Biomas apresentou
seus principais resultados durante evento virtual promovido pela Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pela Embrapa. No mesmo dia, foi
lançado o Projeto Pravaler, iniciativa da CNA que também contou com a
participação da Embrapa e teve como objetivo apoiar ações de regularização
ambiental conforme definido no novo Código Florestal.
A plataforma WebAmbiente, que oferece ao produtor rural
informações sobre como recuperar áreas com algum nível de degradação e promover
a adequação ambiental da paisagem rural, auxiliou o Projeto, alimentando os
dados gerados.
Além da parceria Embrapa/CNA, o Biomas contou com o apoio
financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da
John Deere do Brasil, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae), entre outros.
“São grandes os resultados nos biomas brasileiros, com 400
pesquisadores atuando em busca de soluções para a Mata Atlântica, o Cerrado, a
Caatinga, a Amazônia, o Pantanal e o Pampa”, destacou o presidente da Embrapa,
Celso Luiz Moretti. Ele chamou atenção como exemplo de bons resultados no Bioma
Mata Atlântica a pimenta rosa e o café sombreado por seringueira, ambos
apoiados pelo Projeto e desenvolvidos pelo Incaper.
“Esse foi um trabalho que fizemos com o Instituto Capixaba
de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) que aumentou em 30%
o rendimento da pimenta rosa, que pode deixar de ser uma atividade extrativista
para se transformar em uma atividade comercial. E o café sombreado pela
seringueira, que atingiu elevadas notas de qualidade, abriu caminho para maior
agregação de valor ao produto”, afirmou Moretti.
O Biomas oferece conhecimento técnico e científico para
ajudar o produtor a recompor um eventual passivo ambiental na propriedade e
cumprir o Código Florestal. “Os resultados se refletem na oferta de soluções
tecnológicas necessárias à recuperação ambiental. O conhecimento está
disponível, agora precisamos entregá-lo ao produtor rural”, afirmou.
Agora é pra valer!
O Projeto Pravaler, criado a partir das iniciativas
desenvolvidas pelo Projeto Biomas, é uma iniciativa que mostra ao produtor, na
prática, como cumprir a legislação ambiental com sustentabilidade na produção.
O objetivo é integrar ações com os órgãos ambientais e com
as federações da agricultura, buscando facilitar a adequação dos passivos
ambientais e a implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) nas
propriedades rurais. Essa iniciativa vai permitir que o produtor possa adequar
a propriedade à legislação ambiental e ainda obter possibilidade de retorno
econômico.
O pesquisador Felipe Ribeiro, da Embrapa Cerrados, apontou
que, com as ferramentas e informações oferecidas, a ideia é que o produtor se
habilite a fazer o diagnóstico, tomar a decisão sobre o que vai plantar,
realizar o plantio e monitorar no sentido de cumprir a tarefa de recompor a
área.
Ele observou que o Pravaler, em termos de regularização
ambiental, caminha para essa situação. “Temos que olhar não só a recomposição
de APP e ARL, mas ainda a recuperação do ambiente produtivo. Por isso estamos
muito preocupados em olhar a propriedade como um todo, fazer a regularização
ambiental produtiva, de modo que consigamos entregar ao produtor uma ferramenta
que o auxilie não apenas na regularização ambiental, mas que também possa
ajudá-lo a obter maior retorno econômico na propriedade e a conservar solo,
água e biodiversidade”, expõe.
“O Projeto recoloca o produtor rural dentro da legalidade,
proporciona uma integração cada vez maior entre produção e preservação, com
soluções para que o País continue a acessar mercados internacionais com
produtos cada vez mais sustentáveis”, afirmou o pesquisador.
Resultados
O coordenador nacional do Projeto Biomas, Alexandre Uhlmann,
apresentou alguns dos principais resultados de 10 anos de pesquisas nos seis
biomas brasileiros. O projeto foi iniciado a partir da assinatura de convênio
entre a Embrapa e a CNA em maio de 2010.
“Naquele tempo, o foco era utilizar a árvore como elemento
destinado ao consórcio em sistemas produtivos, além de restauração de Áreas de
Reserva Legal (ARL) e de Preservação Permanente (APP). A equipe do projeto
identificava, principalmente nas espécies nativas, um potencial adormecido, e
muito da pesquisa teve esse foco. No final, os PRAs se encaixaram como uma luva
no desenvolvimento do projeto”, lembrou Uhlmann, que é pesquisador da Embrapa
Florestas (Colombo, PR).
Ele relata as dificuldades de lidar com os diferentes
ambientes e espécies de cada bioma e o desafio único de utilizar a árvore em
sistemas de produção ou em modelos de restauração, associado a espécies
não-lenhosas.
Para observar as especificidades de cada bioma, foi
escolhida uma propriedade rural para implantação dos experimentos – em média,
foram 10 a 20 experimentos em cerca de 30 hectares. “Plantar árvores não é uma
tarefa simples, mas ao longo dos anos, nossos experimentos foram crescendo, sob
os cuidados dos pesquisadores e da equipe de campo, e gradativamente os
resultados foram aparecendo”, comentou.
No Bioma Mata Atlântica, o cultivo da aroeira-pimenteira, um
arbusto que produz a pimenta rosa, vinha sendo praticado principalmente de
maneira extrativista e sem critério de seleção de materiais.
Liderados pelo Incaper, os pesquisadores desenvolveram
modelos de plantio que melhoraram o sistema de produção da pimenta rosa,
proporcionando aumento de produtividade e da renda dos produtores da região.
Uhlmann também destacou a importância das ações de difusão e transferência de
tecnologia a partir dos experimentos na Fazenda São Marcos, em Soretama (ES).
Áreas de Preservação Permanente
Para o Bioma Cerrado, o desafio foi encontrar modelos de
recomposição de APP e ARL. “A pergunta que fizemos, e que foi respondida, é:
qual o método mais eficaz – plantar mudas ou semear sementes?
No Cerrado, que tem espécies de capins e arbustos, semear é a
forma que tem mostrado bons resultados. A semeadura é mais barata, pois até
mesmo máquinas agrícolas podem ser utilizadas, reduzindo a mão de obra braçal”,
disse Alexandre Uhlmann, ao apontar a viabilidade da semeadura direta, atestada
pelos experimentos conduzidos na Fazenda Entre Rios, no Distrito Federal.
Também mereceram destaque as ações de aplicação dos conhecimentos gerados, como
cursos, dias de campo e reuniões técnicas.
Alguns resultados já podem ser observados, como a
sobrevivência das mudas emergentes da cagaiteira maior que 90%, apesar do pouco
desenvolvimento em altura. Outro ponto relevante é que alguns indivíduos de
aroeira cresceram mais de sete metros, enquanto o barueiro e o jatobazeiro
apresentaram indivíduos maiores que cinco metros, todos observados com presença
de floração e frutificação.
A confirmação que a altura das espécies plantadas via
semeadura direta tem crescimento similar àquelas plantadas por meio de mudas
também foi um resultado de destaque.
Por fim, como existem áreas naturais próximas àquela em
restauração e as espécies de atração para a fauna como a lobeira já se
desenvolveram, foram observadas mais de dez espécies que não foram plantadas
oriundas da regeneração natural. Dentre elas, podemos destacar a macaúba,
pimenta-de-macaco e assa-peixe.
Esses resultados são muito animadores, pois decorrem de uma
técnica relativamente barata de recomposição, de R$ 4 mil a R$ 5 mil por
hectare, dependendo principalmente do equipamento usado na semeadura e da
dificuldade de obtenção das sementes de espécies nativas utilizadas.
Parâmetros
A obtenção de parâmetros estruturais das formações vegetais
como indicadores do grau de degradação das áreas e da possibilidade de
reversibilidade foi um importante resultado das pesquisas no Bioma Pantanal,
com experimentos na Fazenda Santo Expedito, em Corumbá (MS).
“Esse pode ser um parâmetro muito importante para indicar
áreas que precisam ser adequadas mediante restauração”, disse o pesquisador
Alexandre Uhlmann, que também citou o trabalho com tecnologias de produção de
mudas e sementes.
No Bioma Caatinga, o uso de espécies de árvores nativas em
sistemas, promovendo a intensificação produtiva, levou ao aumento da
produtividade. “Plantamos experimentos em uma sequência de anos secos. Mesmo
assim, foi possível consorciar as espécies arbóreas nativas, cuja adaptação
permite a sobrevivência à seca, com culturas anuais, resultando em ganhos de
produtividade na curta janela de chuvas que o sertanejo tem disponível”,
comentou Uhlmann, em referência aos experimentos na Fazenda Triunfo, em
Ibaretama (CE).
Já no Bioma Amazônia, as pesquisas na Fazenda Cristalina, em
São Domingos do Araguaia (PA), focaram no uso de espécies florestais nativas em
sistemas de produção florestal, restauração e sistemas agrícolas integrados que
contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
“A integração das árvores com o sistema agrícola é uma
novidade na região que trabalhamos, onde as pastagens extensivas são regra. O
uso da árvore na paisagem resulta numa excelente opção, que contribui para o
ganho produtivo e aumenta a fixação de carbono na forma de lenha e de carbono
no solo”, disse, destacando o desempenho promissor do paricá, espécie nativa
amazônica.
E no Bioma Pampa, os experimentos na Fazenda Caveiras, em
Dom Pedrito (RS), não tiveram êxito significativo com as espécies arbóreas, mas
a recuperação de campos nativos rendeu bons resultados mesmo após o cultivo
agrícola, com a identificação das potencialidades e desafios de adequação
ambiental da região.
Singularidade
Como conclusão, o coordenador de Sustentabilidade da CNA,
Nelson Ananias, elencou os aspectos que marcam a singularidade do Projeto
Biomas, como a observação das diferenças impostas por ambientes distintos,
obrigando a diferentes abordagens para um mesmo problema; a agregação de um
grande grupo de pesquisadores, reunindo mais ideias; a quebra do paradigma de
que a árvore não auxilia a produção, uma vez que os sistemas consorciados
testados geraram bons modelos ou apontaram um caminho potencial; capacitação e
transferência de tecnologia em todas as regiões de atuação e mobilização para
discussão da aplicação da lei ambiental.
O Biomas deixa um legado de infraestrutura de pesquisa muito
bom que contribui para o avanço do conhecimento científico. No mundo em que
estamos, de economia de baixo carbono, o desmatamento é uma das maiores fontes
de emissões e as florestas são a maior solução para a economia de baixo
carbono, não de forma isolada, mas integradas à paisagem rural.