Em solos das regiões tropicais e subtropicais, a
mineralização acelerada da matéria orgânica e alta capacidade de fixação de
fósforo são realidades que estão diretamente relacionadas ao empobrecimento dos
mesmos em matéria orgânica (MO) e consequentemente queda de sua fertilidade.
Neste contexto, a inclusão da matéria orgânica no sistema de
adubação tem surgido como uma solução frente aos elevados custos dos
fertilizantes minerais e aos efeitos benéficos da matéria orgânica em solos
intensamente cultivados com métodos convencionais.
Uma das alternativas utilizadas atualmente para tratamento
dos diversos tipos de materiais orgânicos presentes no mercado é a compostagem
de resíduos sólidos. Em um conceito breve, a compostagem nada mais é do que um
processo bioquímico natural ou controlado, com mistura de resíduos orgânicos de
origem vegetal, animal, industrial ou urbano que passam por um período de tratamento
assistido.
Em geral, na prática há a necessidade de um período de 90 a
120 dias para obtenção de um composto pronto para ser utilizado no campo.
Leque
de opções
Atualmente, vários são os tipos dos fertilizantes orgânicos
encontrados no mercado, podendo ser originados de resíduos animais, como é o
caso do esterco bovino e cama aviária, ou a partir de materiais vegetais
oriundos de processos da agroindústria, como por exemplo, a torta-de-filtro e a
cinza, subprodutos da produção sucroalcooleira.
Com a evolução das pesquisas na área de utilização de
compostos orgânicos na agricultura, alguns estudos vêm sendo conduzidos
atualmente com o intuito de se encontrar novos métodos para tratamento e
aproveitamento de diferentes tipos de resíduos orgânicos no campo e/ou nas
agroindústrias. Uma das opções é a produção de compostos orgânicos à base de
Biochar.
Entenda
mais
Segundo Nóbrega (2011), o Biochar nada mais é do que um
produto obtido pela decomposição térmica da biomassa (MO) pelo processo
denominado de pirólise. Neste processo a matéria orgânica é colocada dentro de
reatores térmicos e submetida a altas temperaturas (entre 450 e 750ºC), com
ausência total de oxigênio.
O resultado desse processo é um produto sólido (Biochar),
líquido (bio-óleo) e gasoso (gás pirolítico) (Chen et al., 2014). No que se
refere às suas características, o Biochar é mais recalcitrante do que muitos
outros tipos de matéria orgânica. Esta característica proporciona que sua
degradação ocorra de forma lenta no solo.
Assim, devido a esta estrutura química e física
diferenciada, o Biochar pode influenciar diretamente em propriedades do solo
como o pH, porosidade, capacidade de retenção de água e densidade (Nóbrega,
2011). Esses efeitos têm impacto direto no crescimento das plantas, ajudando na
penetração e desenvolvimento das raízes devido à maior disponibilidade de ar e
água no solo (Van Zwieten et al., 2010).
Outro ponto interessante a ser levantado é que com a
aplicação do Biochar algumas reações físicas e biológicas do solo podem ser
também influenciadas, como é o caso da presença física de locais para reações e
fornecimento de habitats protetores para a população microbiológica do solo
(Steenweth et al., 2005).
Pesquisas
Novas pesquisas vêm demonstrando também que a estrutura
porosa do Biochar possui afinidade por partículas carregadas (Keech et al.,
2005), influenciando no crescimentos das plantas (Chan et al., 2008), melhoria
da capacidade de retenção de água do solo (Laird et al., 2010), diminuição a
incidência de doenças nas culturas (Matsubara et al., 2002), retenção da
biodisponibilidade de metais pesados (PARK et al., 2011) e redução da
lixiviação de nutrientes, que por sua vez pode reduzir necessidades do uso de
fertilizantes minerais (Liang et al., 2006).
Em outro contexto, existem relatos na literatura
demonstrando que a aplicação do Biochar no solo é capaz de reduzir as emissões
de N2O e CH4 do solo para a atmosfera, impedindo assim a
formação destes gases responsáveis pelo efeito estufa (Yanai et al., 2007).
Vantagens
Devido às características de alcalinidades dos materiais
orgânicos advindos do Biochar, e dependendo da quantidade aplicada, o benefício
deste pode ser também de reduzir a acidez do solo. A presença de grupamentos de
carbono com cargas negativas na superfície do Biochar pode ser capaz de reter o
H⁺
presente na solução do solo, diminuindo assim sua acidez (Sizmur et al., 2015).
Características como a presença de cátions de caracteres
básicos no Biochar, como K, Na, Ca e Mg, concentrados durante o processo de
pirólise em detrimento da volatilização de outros compostos, podem favorecer a
neutralização dos componentes da acidez do solo em detrimento da substituição
das cargas negativas na CTC anteriormente ocupados por H⁺ e Al⁺3
(Yuan et al., 2011).
Laird et al. (2010), estudando o uso de Biochar na melhoria
da qualidade de um solo argiloso no campus da Universidade de Agronomia no
Estado de Iowa, constataram o aumento de quase uma unidade de pH, com o uso de
20 g de Biochar por kg solo–1, mostrando assim a capacidade do mesmo
como agente de neutralização da acidez do solo.
A partir destes pressupostos, pode-se inferir que a
capacidade do Biochar de alcalinização é uma característica importante em se
tratando de soluções para o manejo de solos ácidos de regiões tropicais. Deste
modo, a aplicação do Biochar pode ajudar a reduzir a necessidade de aplicação
de calcário no solo, promovendo melhorias neste ambiente e trazendo incrementos
de produtividade nas culturas (Biederman et al., 2013).
Chan et al. (2007), em seu estudo avaliando o valor
agronômico do Biochar produzido de restos vegetais oriundos de sistemas
residuais a partir de podas de jardinagem sobre a produtividade de plantas e
qualidade do solo em vasos cultivados com rabanete, observou que houve mudanças
nas propriedades químicas do solo a partir das diferentes taxas de aplicação do
Biochar.
Estas mudanças incluem aumento do pH, carbono orgânico,
sódio (Na), potássio (K) e cálcio (Ca); com redução expressiva do teor de
alumínio trocável nas taxas mais elevadas de aplicação do Biochar. Consequentemente,
houve aumentos nos teores de saturação por base, soma de bases e capacidade de
troca catiônica do solo após a aplicação do Biochar.
Relação
com a lixiviação de nutrientes
Estudos de campo e laboratório vêm comprovando também que a
aplicação do Biochar pode levar a uma diminuição na lixiviação de nutrientes,
especialmente de nitratos no solo. Este fato pode estar relacionado à
estabilidade de longo prazo do Biochar, que por sua vez pode ser responsável
por favorecer a diminuição da percolação de água abaixo da zona da raiz,
facilitando assim o aproveitamento do nutriente pela planta e diminuindo a
lixiviação de nutrientes.
Deste modo, Biochar pode atuar na melhoria da retenção de
líquidos e transpiração vegetal, promovendo a retenção de nutrientes móveis
suscetíveis à lixiviação, tais como nitratos ou potássio (Verheijen et al.,
2005).
Lehmann et al. (2003), estudando a lixiviação de nutrientes
em experimentos com lisímetros, indicaram que o índice de absorção de
nutrientes aumenta com a aplicação do Biochar no solo. Os autores também
concluíram que este fator deve ter sido ocasionado pela retenção dos nutrientes
em complexos de adsorção criados pelo Biochar no solo.
Em outro contexto, analisando as possíveis soluções
ambientais e agrícolas proporcionadas pela produção do Bichar e a possível
incorporação do processo de pirólise nas agroindústrias, pode-se pensar então
na utilização desta tecnologia em setores onde exista uma larga escala de
produção de resíduos.
Assim, a pirólise e a produção do Biochar podem ser vista
como uma rota alternativa à compostagem e uma maneira mais eficiente de
transformação e tratamento de resíduos orgânicos.
Versatilidade
Vale lembrar que a tecnologia de pirólise pode ser aplicada
em diferentes tipos de materiais orgânicos e que, após a transformação destes
em Biochar, esta nova fonte de material orgânico tratado possui um grande
potencial para ser utilizado como fertilizante orgânico na agricultura ou para
produção de fertilizantes que requerem adição de matéria orgânica em sua
constituição, como por exemplo, os fertilizantes organominerais e/ou os
fertilizantes orgânicos enriquecidos.
Franco (2019), em sua pesquisa analisando o potencial do
Biochar e a eficiência agronômica na cultura do milho, verificou que a utilização
do Biochar na forma de composto orgânico e sua adição como matriz orgânica para
a produção de fertilizantes organominerais confirma ser uma excelente
alternativa na produção de novas fontes de fertilizantes para a agricultura.
A partir deste estudo, pôde-se comprovar que a utilização de
fertilizantes à base de Biochar proporciona resultados satisfatórios no
crescimento de plantas e no aumento da fertilidade do solo quando comparado a
outros tipos de fertilizantes. Assim, esta pesquisa aponta o potencial do
Biochar ser uma nova opção de compostos orgânicos e a sua possibilidade de uso
na indústria de fertilizantes.
Custo
Analisando o custo de produção do Biochar, pode-se observar,
em alguns estudos, que a pirólise pode se tornar muitas vezes um sistema
autossustentável, onde o gás pirolítico e o bio-óleo podem ser reaproveitados e
usados como combustíveis durante o próprio processo de carbonização da matéria
orgânica, gerando assim um método quase sem custo de produção secundário e com
grande capacidade energética.
Assim, essa tecnologia deve ser analisada como uma excelente
ferramenta para produção de fertilizantes sustentáveis no futuro e como um novo
conceito para o uso de materiais orgânicos visando o manejo da fertilidade do
solo e da nutrição de plantas.