A construção da fertilidade do solo e suas
propriedades química, física e biológica são essenciais para que o agricultor tenha
êxito na colheita
Unir produtividade, redução de custo e sustentabilidade dos
negócios e do meio ambiente é a matemática que dá certo para o produtor.
Pensando no saldo positivo desta conta, a Engenheira Agrônoma, Doutora em Solos
e especialista da Fertiláqua, Dorotéia Alves Ferreira, explica porque o manejo
adequado do solo é fundamental e necessário, e conta o que é preciso fazer (e
deixar de fazer) para a manutenção da saúde solo, e para evitar a expansão de
área cultivada e ainda assim ver crescer a produtividade. Acompanhe:
01 – Por que a qualidade do solo é capaz de interferir na expansão
de área cultivada?
A qualidade do solo faz referência às propriedades química, física
e biológica do solo tornando-se capaz de fornecer melhores condições para o
desenvolvimento e produção das culturas. O ambiente de produção equilibrado
auxilia a planta em seu desenvolvimento vegetativo, e fornece condições para
que ela possa expressar seu potencial produtivo. Neste sentido, as plantas
cultivadas em um sistema de solo com qualidade são mais resilientes e
certamente entregam mais produtividade por hectare. O investimento para se
‘construir solo’ é, sem dúvida, algo que faz parte de ambientes de produção que
pretendem produzir mais em menor área cultivada, ou seja, produção com
qualidade e sustentabilidade.
02 – Qual o maior desafio a ser
enfrentado quando o assunto é a saúde do solo?
O ambiente de produção apresenta
diversos desafios como efeitos climáticos, estresses bióticos e abióticos. No
entanto, um dos pontos que está trazendo dúvidas aos produtores está
relacionado a inserção e integração de tecnologias e manejos que trabalham o
sistema biológico do solo. A funcionalidade da biologia do solo tem efeitos em
todo o sistema solo-planta. Em aspectos químicos, está relacionada à ciclagem
nutricional e disponibilização de nutrientes do solo e com relação a física do
solo, atua fortemente na agregação das partículas favorecendo a porosidade e
consequente infiltração de água no solo. Em termos biológicos, a funcionalidade
da biologia do solo está ligada à proteção do sistema radicular, equilíbrio
biológico das populações microbianas e à indução de resistência das plantas.
Por isso o termo saúde do solo é bastante complexo, visto que engloba todo o
sistema solo e tem efeitos diretos e indiretos no ambiente produtivo,
tornando-o bastante desafiador.
03 – Como deve ser feito o manejo para garantir a qualidade do
solo e seus componentes físicos, químicos e biológicos?
Os manejos que podem ser empregados no sistema solo são amplos e
variáveis com relação ao tipo de solo, clima, plantas cultivadas, investimento
dispensado, entre outros. A inserção de carbono no sistema de produção traz
benefícios às propriedades do solo e ao sistema de produção, e o carbono
orgânico pode ser inserido de várias formas, como plantas de cobertura que
tenham alta relação carbono / nitrogênio (C/N), fontes de compostos orgânicos
advindos de compostagem ou não, e até mesmo um esquema de plantio em rotação ou
sucessão com culturas que deixam restos de vegetais no solo para serem
transformados pela atividade biológica, que promovem a ciclagem de nutrientes e
estabiliza o carbono no sistema. Um ponto importante a se considerar é a
inserção de carbono dentro do solo através de raízes que se desenvolvam em
profundidade e volume no solo. As plantas liberam várias fontes de carbono
(enzimas, fatores de crescimento, ácidos orgânicos, flavonóides, etc) no solo
que estimulam os microrganismos e promovem o equilíbrio biológico do solo,
refletindo em atividade biológica, decomposição e mineralização da matéria
orgânica, além das próprias raízes formarem canais no solo, promovendo aeração
e infiltração de água.
Sendo assim, a integração de plantas que atuam como prestadoras de
serviços ao sistema solo, as chamadas plantas de cobertura e a inserção de
tecnologias de âmbito biológico, são fundamentais para a construção de um
sistema solo vivo, produtivo e sustentável.
A prática de utilizar diferentes princípios ativos de produtos
fitossanitários e fontes de nutrientes minerais que não estejam totalmente
solúveis no início do desenvolvimento da planta também são importantes. Estas
práticas favorecem a diversidade de microrganismos do solo, pois o ambiente
fica mais heterogêneo do ponto de vista de manejo, e consequentemente não
promove a seleção microbiana. A diversidade biológica do solo favorece o
sistema solo-planta-ambiente.
04 – Qual a importância da cobertura do solo com palhadas? Que
tipos de impacto podem ser evitados com esta ação?
Manter o solo coberto com material vegetal é fundamental para os
ambientes de produção, e esta prática tem efeitos na física, química e biologia
do solo. O solo coberto é uma premissa básica do sistema de Plantio Direto,
visto que prioriza a proteção do solo com relação aos raios solares, força
empregada pelas gotas de chuva que provocam o chamado salpicamento, erosão e
perdas de solo, além de estimular a atividade biológica, promovendo a
mineralização, principalmente na camada superficial, além de proteger a matéria
orgânica do solo.
05 – Como a rotação de culturas e o plantio de culturas de
cobertura pode ajudar no melhoramento do solo?
As plantas que prestam serviços ecossistêmicos ao sistema
solo-planta são englobadas como plantas de cobertura ou aquelas utilizadas em
períodos de entressafra em rotação com as plantas cultivadas. Dentre os
aspectos que estão relacionados a melhoria do sistema solo, temos alguns pontos
a mencionar como a inserção de resíduos vegetais (raízes, matéria seca de parte
aérea e exsudatos radiculares) distintos da planta de interesse econômico,
melhorando a decomposição e consequente mineralização nutricional efetiva, em
decorrência de fontes de carbono diferentes que estimulam a biologia do solo.
Além do fato de por várias vezes estar relacionado a um material vegetal com
relação de C/N também distinto da planta cultivada e que por isso, reflete em
cobertura do solo, construção e manutenção de matéria orgânica.
Para que seja feita a seleção das plantas de cobertura utilizadas
na rotação com as culturas, torna-se importante conhecer alguns pontos
importantes como o efeito de alelopatia de algumas leguminosas (ex: crotalárias)
com relação a algumas espécies de nematóides, considerando também que são
plantas com menor relação C/N e que, portanto, auxiliam para que ocorra a
decomposição de resíduos de gramíneas (ex: braquiárias), que apresentam relação
C/N maior. O efeito multiplicador de microrganismos do solo de um sistema
radicular fasciculado, como observado com a utilização de gramíneas,
principalmente devido a maior quantidade de ambiente radicular para formação de
rizosfera eficiente e ao elevado investimento de carbono fixado via
fotossíntese para formação de raízes e liberação de fontes de carbono pelas
raízes (exsudatos radiculares). Outro ponto importante está relacionado a
ocupação do sistema solo pela massa de raízes formada pelas gramíneas, por
exemplo, que após decompostas formam canais no solo que facilitam para que as
raízes das plantas cultivadas possam se desenvolver e, também, estão
relacionadas à infiltração de água no solo. Quando pensamos em raízes de
leguminosas que podem ser bastante agressivas devido a sua morfologia
pivotante, é possível verificar a capacidade de romper uma camada de solo
compactada ou adensada, dependendo do nível de resistência à penetração que o
solo se encontra.
Portanto, os benefícios são os mais distintos e é importante avaliar
a necessidade da área, a disponibilidade destas plantas, bem como sua
adaptabilidade aos locais que serão inseridas.
06 – O que dizer sobre práticas como o revolvimento intensivo e
desnecessário do solo?
Diversas práticas de manejo causaram degradação ao sistema solo,
dentre elas temos a exposição de matéria orgânica e desestruturação de
agregados do solo devido ao seu revolvimento. Essa prática já não é muito
adotada graças aos diversos benefícios aportados ao solo e conhecidos por uma
prática de manejo constantemente adotada que é o sistema de plantio direto.
Neste sistema algumas premissas básicas devem ser adotadas, como ausência de
revolvimento do solo, presença contínua de cobertura vegetal do solo e rotação
das culturas implantadas na área. Neste sentido, práticas que podem ocasionar
certo revolvimento são adotadas apenas em algumas situações como, por exemplo,
aplicação de calcário, adubos e gesso, principalmente em abertura de áreas e em
situações em que a área necessita de intervenção mecânica, devido à
compactação, com a realização de subsolagem.
O revolvimento promove a exposição do solo e da matéria orgânica
que é constantemente transformada no solo pela atividade biológica, ocasiona a
oxidação e constante perda do carbono em formas gasosas, o que resulta em
perdas deste carbono e danos ambientais relacionados ao efeito estufa.
07 – Quais são os prejuízos das adubações exageradas?
Com relação à prática relacionada a adubações excessivas, é
importante ressaltar que a análise de solo é indispensável para a realização
dessa prática. Portanto, é necessário realizar uma adubação compatível com o
potencial produtivo da área, cultura e cultivar, tendo em vista que temos duas
formas básicas para a construção de fertilidade do solo, que são: adubações de
construção e de manutenção da fertilidade, levando-se em conta a exportação de
nutrientes pelas plantas. Sendo assim, o fornecimento excessivo de nutrientes
solúveis as plantas, ocasiona a menor interação delas com os grupos biológicos,
especialmente os simbióticos, e podem ocasionar perdas de nutrientes e
poluições ambientais devido a evaporação de algumas fontes gasosas e
assoreamento de rios devido ao escorrimento superficial de nutrientes ligados a
partículas de solo. Nos dias atuais apresenta-se um outro ponto importante que
é a escassez de adubos disponíveis e seus elevados custos.
08 – De que forma o uso do fogo e a exposição sem cobertura podem
prejudicar o solo e como reverter isso?
O fogo é uma prática adotada principalmente em áreas de abertura
ou em situações em que acontece de forma acidental. No caso de ser utilizado
para uma finalidade, é importante que se tenha o controle para que ele não se
alastre de uma forma desordenada. Sabe-se que esta prática em áreas produtivas
é muito prejudicial para a matéria orgânica, devido a sua queima. A queima da
matéria orgânica ocasiona perda de carbono do solo, o que é negativo para os
componentes químico, físico e biológico do solo. Um dano muito importante se
reflete em questões de ordem física do solo, principalmente relacionado a perda
de água, pois ocorre sua evaporação devido ao calor, podendo ocasionar em menor
porosidade do solo. É importante inserir práticas de manejo com plantas de
cobertura e tecnologias com foco em biologia do solo que tem o objetivo de
metabolizar a matéria orgânica do solo de forma a recuperar o ambiente após
essa intervenção no sistema.
09 – Como o uso de nutrientes pode colaborar com o aumento
eficaz da fertilidade do solo?
A construção da fertilidade do solo é fundamental para que a
agricultura tenha bons resultados, visto que a nutrição de plantas contribui
diretamente para o desenvolvimento, crescimento e produtividade das culturas.
Por esse motivo a análise química de solo para fins de fertilidade é
fundamental para que a recomendação da adubação com relação às necessidades do
solo e potencial produtivo das culturas seja feita de forma correta.
No entanto, no cenário da agricultura moderna e altamente
produtiva, além do fornecimento adequado de nutrientes, tem-se verificado a
importância do aproveitamento nutricional adequado. Neste sentido, é importante
pensar na construção da fertilidade do solo, com foco nas propriedades química,
física e biológica do solo. Pois nota-se que em um solo ativo biologicamente e
com estrutura física, a planta tem a possibilidade de aproveitar os nutrientes
que são constantemente adicionados e que por alguns motivos, como lixiviação ou
precipitação, podem ficar indisponíveis.
Neste aspecto, o conceito de fertilidade do solo é amplo e não visa
apenas fornecer nutrientes ao solo com a utilização da adubação mineral, mas
sim melhorar aspectos do sistema solo-planta que visem a melhor utilização dos
nutrientes do solo.
10 – Pode haver sistemas de produção sem capacidade de aumento de
produtividade, apesar da fertilidade química? Por que isso acontece?
O desenvolvimento da ciência do solo foi extensivamente voltado
para a química do solo, neste sentido desenvolveu-se vários trabalhos, métodos
e conceitos para se melhorar este componente do sistema solo. No entanto,
propriedades relacionadas a física do solo, e mais especificamente a biologia
do solo, não foram muito discutidas e consequentemente implementadas.
Na abertura de áreas agrícolas, principalmente na região central
do país, o manejo químico foi extremamente pesado. Principalmente com elevadas
aplicações de calcário, em alguns casos gesso, e fontes nutricionais a base de
fósforo, potássio e nitrogênio dependendo da cultura, além de micronutrientes.
Em várias destas regiões os solos tinham como características serem profundos e
bem drenados, devido a isto a atenção era mais voltada à construção da
fertilidade química.
No entanto, após vários anos de cultivo, problemas relacionados à
perda da estrutura do solo, ocasionando a compactação e o desequilíbrio da
biologia do solo – geralmente devido a seleção de grupos microbianos, tendem a
acontecer. Enquanto a adição frequente de adubos sempre é feita, atenção menor
é voltada aos aspectos físicos e biológicos do solo, fazendo com que a planta
não consiga acessar os nutrientes que estão no solo e grupos patogênicos passam
a dominar o ambiente microbiológico do solo. Sendo assim, o resultado são áreas
com boa fertilidade química do solo, mas que podem não reverter em aumento de
produtividade devido à ausência de integração do sistema solo, não fornecendo
condições para que a planta possa expressar o seu potencial produtivo.
11 – Como é feita e qual a melhor época para realização da análise
do solo?
A análise química do solo para fins de fertilidade geralmente é
realizada no período após a colheita da cultura implantada. Isto ocorre, pois,
a planta exporta os nutrientes do solo para seu crescimento, desenvolvimento e
produção de grãos ou frutos. A fonte de energia das plantas seria a própria
fotossíntese e a fonte nutricional seria o solo, que posteriormente é
convertida em dreno, resultando no que é produzido, que são grãos ou
frutos.
Por isso a análise de solo é tão importante, pois com ela
verifica-se a situação química e nutricional do solo, para que sejam feitas
adubações de construção da fertilidade do solo no início da utilização de
determinada área e, posteriormente, a manutenção da fertilidade que leva em conta
o que a planta exporta para seu dreno. Além disso, a partir da análise de solo,
também são realizados cálculos para obtenção de quantidades de calcário e gesso
para realização de práticas de correções de acidez ativa e potencial do solo,
propiciando maior disponibilidade de nutrientes.
12 – No estado do Mato Grosso, o produtor de soja Sr. Nelson
Kappes cultiva o chamado “pé de soja gigante”, que inclusive está no livro dos
recordes. Como é possível um pé de soja crescer e produzir mais de 21 mil
vagens?
Trata-se de uma planta cultivada em condições extremamente
controladas e com tudo que ela necessita, inclusive luz artificial no período
noturno. Esses fatores fazem com a planta esteja metabolicamente ativa durante
todo tempo, o que promove um aproveitamento muito grande da energia advinda da
fotossíntese e como a planta é cultivada em cova, os nutrientes estão com alta
disponibilidade. Outro ponto interessante é o tutoramento vertical que é feito
para que a planta se desenvolva bastante vegetativamente.
Realmente trata-se de uma planta construída para romper recordes,
o que faz com que seu aproveitamento seja extremamente elevado pensando na
produção de vagens. Este cenário não se aplica em condições normais de produção
a campo, visto que a produção é feita em larga escala e como dizemos rotineiramente,
estamos em um “laboratório a céu aberto”, com vários pontos positivos e
negativos para o crescimento, desenvolvimento e produtividade das
plantas.