Um olhar sistêmico para a cafeicultura do futuro

Um olhar sistêmico para a cafeicultura do futuro

Alessandro Guieiro
Consultor em cafeicultura conservativa, cafeicultor, pós-graduado em Fertilidade do Solo e Nutrição Mineral de Plantas, especialista em Microbiologia do Solo
alessandro.consultoragro@hotmail.com

A cafeicultura conservativa é a ciência que estuda a atividade nos solos tropicais, que traz práticas que possibilitam a recuperação e conservação do sistema de produção, adotando práticas com olhar sistêmico para toda a propriedade.

Com isso, melhora a biodiversidade e a qualidade do solo, tornando o ambiente sustentável.

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Características

A cafeicultura conservativa tem como principal característica estudar e implantar técnicas que dão condições de regeneração e conservação do solo. Preza por um manejo de baixo impacto, composto por metas de melhoria contínua e ações que utilizam da ciência para conservar os recursos naturais, como água e as características positivas do solo.

Estamos embasados em 3 principais pilares:

– Máxima entrada contínua de carbono no solo;

– Revolvimento mínimo contínuo do solo;

– Manutenção contínua da biodiversidade.

Esses pilares nos dão a sustentação científica suficiente para melhoria contínua do ambiente de produção.

Benefícios do conceito

Vejo como maior benefício, entre tantos, a redução da dependência de utilização de pesticidas. O ambiente equilibrado nos traz plantas com maior resiliência e maior tolerância a pragas e doenças.

Do ponto de vista climático, a cafeicultura conservativa tem com maior objetivo a melhoria contínua. Assim, todas as ações são devidamente analisadas e a próxima ação não pode comprometer negativamente a ação anterior, bem como o processo de melhoria não pode ser interrompido.

Com isso, podemos afirmar que temos um ambiente de produção com maior poder de mitigação das intempéries climáticas.

O manejo de conservação do solo e da água faz com que tenhamos um ambiente agradável às plantas. Como parte da melhoria contínua traz a manutenção da biodiversidade, saem as inúmeras aplicações de pesticidas e entra, na prática, o controle biológico.

Amigos do solo

A ciência trouxe inúmeros agentes de controle biológico de alta tecnologia, que são classificados como macro e microrganismos. Podemos citar grupos de bactérias e fungos que são capazes de controlar nematoides, fungos patogênicos, entre outros benefícios.

Estudos recentes liderados pela professora e pesquisadora da Epamig, doutora Madelaine Vezon, traz grupos de macrorganismos capazes de suprimir pragas de difícil controle, como o bicho-mineiro e a broca-do-café.

Os estudos estão avançando, e com eles inúmeras ferramentas estão entrando em uso em prol da nova cafeicultura, uma versão de baixo impacto que não somente se preocupa em regenerar o que foi destruído no passado, mas em conservar para o futuro, tudo isso tendo como base a ciência.

Outro ponto importante é que, com o emprego das práticas, conseguimos melhorar continuamente as produções, ainda mais com o enfrentamento atual de grandes intempéries climáticas negativas, como secas prolongadas e altas amplitude térmica, chuvas de granizo e geadas.

Um fator que vem contribuindo também é que o custo de produção tem caído significativamente em função de que, a cada ano, temos um ambiente cada vez mais equilibrado. Podemos citar, por exemplo, fatores muito importantes, como diminuição da dependência de altas doses de fertilizantes, menor utilização de agroquímicos e menos gasto operacional com inúmeras aplicações.

Uma consequência

Um fator interessante que temos com esta sequência de manejos de baixo impacto é a redução da emissão e o aumento no sequestro de CO2, contribuindo positivamente com a redução do aquecimento global e equilíbrio do ecossistema.

O setor agrícola é responsável por cerca de 25% das emissões globais de gases de efeito estufa. Contribuir para a diminuição desse impacto é colaborar para as futuras gerações.

Entraves

A principal dificuldade é a mudança cultural, deixar de ser imediatista e entender que estamos promovendo a melhoria do sistema de produção. Isso não acontece no nosso tempo e sim no tempo da natureza, sabendo que ela não aceita protocolos, ao contrário, tem regras próprias e não faz nada em vão.

Passada essa mudança cultural, vem o emprego das técnicas, pois cada fazenda possui características únicas e muito particulares que precisam ser levadas em consideração no início e durante o processo de transição das práticas.

Como gerir e conservar adequadamente o solo

O nosso solo é vivo, pulsa, é um corpo dinâmico e naturalmente organizado. É assim que enxergamos o solo, como o bem maior dentro da propriedade, com inúmeras possibilidades e que, na maioria dos casos, foi negligenciado ao longo dos anos. Somente no Brasil já passamos mais de 130 milhões de hectares de solo classificados como degradados.

Algumas tecnologias vêm sendo empregadas com muito sucesso, como o uso de plantas de múltiplas funções agronômicas em inúmeras ocasiões, tendo em vista que elas foram selecionadas para empregar características agronômicas desejáveis.

Temos, ainda, plantas que descompactam o solo, por meio de um sistema radicular abundante e bem desenvolvido. Pelos bioporos conseguimos melhorar a estrutura do solo, devido à melhor infiltração de água e oxigênio.

Há, também, plantas que são fixadoras de nitrogênio, que ciclam nutrientes importantes para o cafeeiro como, por exemplo, potássio, magnésio, cálcio e boro; e as plantas que atuam solubilizando fósforo e plantas, as quais potencializam a formação de fungos micorrízicos, atuando positivamente nas frações química, física e biológica do solo.

As plantas de cobertura são fundamentais para redução do uso de herbicidas, principalmente a molécula do glifosato, que já é proibida em vários países e pelas principais certificadoras. O controle das plantas indesejáveis é feito pela competição por luz, água e sais minerais e também por alelopatia.

Durante a decomposição da biomassa produzida pelas plantas de serviço, o material é atacado por uma grande quantidade de fungos e bactérias que são extremamente benéficas às plantas, pois durante a decomposição, algumas substâncias são liberadas, tais como hormônios, indutores de resistência e aminoácidos.

Mais produtividade

Com um ambiente equilibrado e com plantas mais resilientes, podemos perceber uma performance positiva, desde o florescimento até o fim da maturação. Uma planta que passa por todas as suas fases fenológicas, sem estresse negativo, tem o potencial produtivo do próximo ano aumentado.

Diminuir o estresse é um ponto importante para as altas produtividades. Com o solo harmônico e a manutenção do sistema radicular, temos acesso a uma maior quantidade de água e sais minerais, levando a plantas mais bem nutridas, potencializando o aumento de safra e também melhoria exponencial da qualidade do fruto.

Mudança de paradigmas

O cultivo convencional fica preso a tecnologias externas, tendo o uso de pesticidas e fertilizantes inorgânicos como os grandes potencializadores de safra. Já no modelo conservativo, temos como base a conservação de recursos naturais e práticas agronômicas de baixo impacto.

Fazemos uso da própria natureza para incremento de produtividade. Com base em técnicas agronômica saudáveis, traçamos um planejamento de manejo com a finalidade de redução e uso consciente de pesticidas.

Um ambiente equilibrado tem características positivas, em função das diversas técnicas saudáveis aplicadas. Todas as culturas podem se beneficiar dessas práticas, uma vez que o manejo visa a melhoria contínua do ambiente de produção.

Teoria aliada à prática

Sou proprietário da Fazenda Solo Vivo, localizada em Patrocínio (MG), onde planto café em 70 ha no modelo da agricultura conservativa desde 2019. O objetivo sempre foi diminuir a quantidade de resíduos químicos contidos no produto final, o custo de produção e potencializar a preservação do meio ambiente.

Alguns dos anos de maior desafio climático, tivemos plantas que se comportaram de maneira positiva às variações climáticas, com longos períodos de estiagem e alta amplitude térmica.

Notamos também um ganho na qualidade de bebida. Temos certeza que a melhoria do sistema interfere positivamente na qualidade de bebida. Associamos o solo sadio a esses ganhos, pois este irá transferir características positivas às plantas, que, por sua vez, irão transmitir aos seus frutos.

Lembrando que, na natureza, cada ação traz uma reação, e ter a ciência a nosso favor faz com os ganhos sejam maiores e mais rápidos, com redução do custo de produção. Importante ter uma boa assistência técnica, para o bom andamento das práticas.

O sistema se faz viável por vários fatores, tanto diretos como indiretos. Primeiramente, em função da redução da dependência de uso de pesticidas, que tem valor agregado alto no mercado.

Os fatores indiretos são a possibilidade de agregar valor ao produto final, por produzir com alta qualidade, livre de resíduos, que é uma demanda mundial, o que chamamos de paladar consciente.

Família Afonso: nada é impossível!

A Família Afonso é uma das propriedades mais premiadas na produção de cafés especiais, por estar localizada em uma condição de clima muito favorável. Localizada no município de Cristina (MG), na Mantiqueira de Minas, a gestão é feito pelo sr. Afonso e seu filho, Helisson.

“São muitas as dificuldades da cafeicultura de montanha, porém, quando se tem propósito, tudo se torna fácil e possível. Ao entender que a produção de cafés especiais ia além de notas sensoriais, resolvemos investir em tecnologias que nos levassem a uma agricultura de baixo impacto”, consideram pai e filho.

Atualmente, faz parte do manejo da propriedade os fertilizantes organominerais, que potencializam a eficiência no fornecimento de nitrogênio, contribuindo para a diminuição da emissão de CO2, e o uso de plantas de cobertura, que foi determinante para a redução de herbicidas, promovendo a vida saudável do solo e a resiliência das plantas.

“Foi possível melhorar o que já era excelente. O perfil sensoriais dos cafés teve alteração positiva, confirmando que um solo sadio gera uma planta saudável e, consequentemente, frutos produtivos”, diz Helisson.

 A Família Afonso traz em sua filosofia que um café especial precisa ir além de notas e perfis sensoriais. É preciso produzir de forma responsável, respeitando o LMR (Limite Máximo de Resíduo), e assim contribuindo para a saúde do consumidor final e a melhoria contínua do ecossistema, por meio de uma cafeicultura de baixo impacto ambiental.

Fonte: https://revistacampoenegocios.com.br